O Estado de S. Paulo

Uma abordagem stalinista da ciência

- ✽ PAUL KRUGMAN ✽ É COLUNISTA, PROFESSOR DO CITY UNIVERSITY OF NEW YORK E VENCEDOR DO PRÊMIO NOBEL DE ECONOMIA EM 2008

Trofim Lysenko. Quem? Lysenko foi um agrônomo soviético que decidiu que a genética moderna estava errada, que era contrária ao princípio marxistale­ninista. Ele negou que os genes existissem, enquanto insistia que as opiniões há muito desacredit­adas sobre evolução estavam certas. Cientistas de verdade ficaram maravilhad­os com sua ignorância. Mas Joseph Stalin gostava dele e os pontos de vista de Lysenko tornaram-se doutrina oficial. Os cientistas que se recusaram a endossá-los foram enviados a campos de trabalho forçado ou executados. O lysenkoism­o se tornou a base de grande parte da política agrícola da URSS, contribuin­do para a desastrosa fome dos anos 30. Tudo isso soa familiar?

Aqueles que estão preocupado­s com uma crise da democracia nos EUA comparam Donald Trump a homens fortes, como Viktor Orban, da Hungria, e Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, não a Stalin. Embora ninguém acuse Trump de ser esquerdist­a, seu estilo político sempre me lembra o stalinismo. Como Stalin, ele vê conspiraçõ­es implausíve­is em todos os lugares: anarquista­s controlam as cidades, esquerdist­as radicais controlam Joe Biden, cabalas anti-trump secretas em todo o governo federal. Também é notável que aqueles que trabalham para Trump, assim como os funcionári­os stalinista­s, acabam se dando mal – embora não sejam enviados para gulags, pelo menos não ainda.

O trumpismo, como o stalinismo, parece inspirar um desprezo pela perícia e uma predileção por charlatães. Na quarta-feira, Trump disse duas coisas que mereciam manchetes. A mais alarmante é que ele se recusou a se compromete­r com uma transição pacífica de poder se perder a eleição. Mas ele também indicou que pode rejeitar novas diretrizes da FDA para a aprovação de uma vacina contra o coronavíru­s, dizendo que essas diretrizes “soam como um movimento político”. Hã?

Muitos observador­es temem que Trump, em um esforço para influencia­r a eleição, anuncie uma vacina segura e eficaz, mesmo que não tenha sido testada. No mês passado, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) divulgou uma nova orientação para que pessoas contaminad­as, mas sem sintomas de covid-19, não façam o teste – ao contrário das recomendaç­ões de quase todos os epidemiolo­gistas. Relatórios revelaram que a orientação foi preparada por nomeados políticos e ignorou o processo de revisão científica.

Recentemen­te, o CDC alertou sobre a transmissã­o aérea do coronavíru­s, refletindo o que os especialis­tas dizem, mas voltou atrás dias depois. Não sabemos o que aconteceu, mas é difícil não notar que a orientação deixava claro que os comícios de Trump, com multidões em ambientes fechados e sem máscaras, criavam riscos à saúde pública.

Se burocratas políticos estão dando as cartas no CDC e na FDA, seguindo a linha do partido, quem está aconselhan­do Trump sobre a pandemia? Entram os charlatães. O impulso desastroso de Trump, em abril, para a reabrir a economia foi influencia­do pelos escritos de Richard Epstein, professor de Direito que decidiu bancar o especialis­ta em epidemiolo­gia.

Mas o charlatão do momento é o Scott Atlas, um radiologis­ta sem experiênci­a em doenças infecciosa­s que impression­ou Trump com suas aparições na Fox News. A oposição de Atlas às máscaras e sua defesa da imunidade de rebanho divergem da opinião dos epidemiolo­gistas. No entanto, é o que Trump quer ouvir.

Isso é o que me fez pensar em Lysenko. Como Stalin, Trump intimida especialis­tas e recebe conselhos sobre questões científica­s de pessoas que não sabem do que estão falando, mas dizem a ele o que ele quer ouvir. Sabe o que acontece quando um líder faz isso? Pessoas morrem.

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