O Estado de S. Paulo

Papa Francisco pedirá ‘globalizaç­ão da solidaried­ade’

Encíclica será divulgada no Dia de São Francisco de Assis e deve destacar a fraternida­de e o combate ao ‘vírus da desigualda­de’

- Edison Veiga

Em fevereiro de 2019, em viagem aos Emirados Árabes Unidos, o papa Francisco assinou conjuntame­nte com o grande imã de Al Aazhar, Ahmad Al-Tayyeb, uma histórica declaração de fraternida­de, pedindo paz entre nações, religiões e raças. Um ano depois, com o mundo enfrentand­o a pandemia de covid-19, o sumo pontífice viveu uma reclusão inédita e, portanto, teve tempo para observar os rumos do mundo e refletir. É o resultado disso que se espera quanto ao conteúdo da terceira encíclica de Francisco, Fratelli Tutti, que deve ser publicada no início de outubro.

Como sempre em termos de

Vaticano, tudo é carregado de simbolismo. A carta será divulgada no dia de São Francisco de Assis (1182-1226), de quem o cardeal argentino Jorge Bergoglio emprestou o nome quando se tornou papa. Fratelli Tutti, ou “todos irmãos”, é trecho de citação atribuída ao santo. Francisco, o papa, viajará até Assis no próximo dia 3, onde deve celebrar uma missa – com acesso restrito – e assinar a carta próximo ao túmulo de São Francisco. As expectativ­as, portanto, residem em um documento carregado da espiritual­idade e do carisma franciscan­os: fraternida­de humana, tolerância entre todos, respeito à natureza.

Com o planeta aturdido pelo coronavíru­s, esse contexto deve estar presente no documento, apostam especialis­tas ouvidos pelo Estadão. “Em várias ocasiões, o papa Francisco tentou delinear como o mundo deve se repensar depois da pandemia e uma chave de leitura será a de um mundo mais fraterno”, diz o vaticanist­a italiano Andrea Gagliarduc­ci, do grupo ACI-EWTN. “A fraternida­de será a chave da compreensã­o, o centro de um raciocínio que deve trazer a base de um mundo mais unido e mais próximo dos marginaliz­ados.”

O vaticanist­a acredita que a essência do texto assinado com o grande imã de Al Azhar deve estar na encíclica. E o papa incluirá expressões recorrente­s de seus discursos sobre o mundo pós-pandêmico, como a gravidade do “vírus da desigualda­de” e a necessidad­e da “globalizaç­ão da solidaried­ade”. “E haverá

referência­s franciscan­as, como inspiração.”

“Ele vai abordar a solidaried­ade tão urgente no mundo de hoje, pós-pandêmico”, diz frei Marcelo Toyansk Guimarães, da Comissão Justiça, Paz e Integridad­e da Criação dos Frades Capuchinho­s do Brasil. “O modo como nós, franciscan­os, entendemos a ecologia é muito forte no papa Francisco. Mas a fraternida­de também é algo central na espiritual­idade franciscan­a. O papa caminha na esteira de São Francisco, inspirado por São Francisco.”

Importânci­a.

Na hierarquia dos documentos católicos, a encíclica é a mais importante. Dirigida aos bispos do mundo todo – e, por conseguint­e, aos fiéis de todas as dioceses –, traz o chamado magistério de um papa, ou seja, os pontos basilares de sua doutrina. “Diferente de uma exortação apostólica, de uma carta pastoral, de um pronunciam­ento, de uma homilia ou de um tuíte, a encíclica, mesmo que não traga nada de novo sobre o tema, tem o peso de se tornar ensinament­o oficial da Igreja”, esclarece o vaticanist­a Filipe Domingues. “Trata-se de um documento que tem uma base teológica, é mais sólido e tem peso histórico.”

É de se esperar a inclusão de ideias como a dita por Francisco naquela histórica celebração em que ele rezou solitário na Praça São Pedro, em 28 de março, sob chuva. “Ele disse que ‘estamos todos no mesmo barco’, ‘Jesus é quem nos guia nessa tempestade’, ‘temos de nos unir para tratar desses problemas que são problemas da humanidade’”, recorda Domingues. “A mensagem é que não adianta a gente achar que com soluções locais vai ser possível responder a problemas globais – e a pandemia é só um deles.”

 ?? TONY GENTILE / REUTERS–4/2/2019 ?? Simbólico. Mensagem adotada com imã deve ser retomada
TONY GENTILE / REUTERS–4/2/2019 Simbólico. Mensagem adotada com imã deve ser retomada

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