O Estado de S. Paulo

Pesquisa vê preconceit­o na hora da seleção

Seis em cada dez profission­ais negros relatam ter sido preteridos em entrevista­s de emprego

- Renato Jakitas

Os números e a mera observação mostram que é muito difícil para um negro chegar ao topo da carreira dentro de uma empresa. Mas as dificuldad­es no mercado de trabalho vão muito além disso. Segundo pesquisa feita pelo Instituto Locomotiva para a Central Única das Favelas (Cufa), seis em cada dez trabalhado­res negros dizem já ter se sentido preteridos em uma entrevista de emprego por conta da cor da pele.

O levantamen­to também mostra que, para quem supera o processo de seleção, os desafios podem continuar. Cerca de 40% dos entrevista­dos disseram que sofrem ou já sofreram preconceit­o por causa de sua cor dentro do trabalho. Para Renato Meirelles, do Locomotiva, os casos de racismo geralmente aparecem disfarçado­s de brincadeir­as. “Uma entrevista­da disse que, quando foi promovida, ouviu de um colega os parabéns por estar, agora, na ‘casa grande’ da empresa.”

“As pessoas podem não falar, mas, quando se é negro, a gente percebe o racismo no olhar”, afirma o executivo do mercado financeiro Haroldo Nascimento. Ele conta, por exemplo, que quando participav­a com outros colegas de um congresso em um hotel na Zona Sul de São

Paulo, foi surpreendi­do por um homem que lhe entregou a chave do carro. “Eu estava entrando no hotel e, de repente, o cara colocou a chave do carro dele na minha mão. Eu joguei a chave no chão e ele perguntou, assustado, se eu trabalhava lá. Respondi: ‘Eu não, e você?’.”

Cabelo. Para Neivia Justa, sócia da empresa de recursos humanos C-Level Group, os casos de preconceit­o racial durante processos seletivos são comuns. “Acontece o tempo todo”, diz. “Já ouvi inúmeras mulheres negras contarem ter ouvido dos recrutador­es: ‘Você precisa dar um jeito nesse cabelo se quiser trabalhar aqui’.”

Segundo Neivia, que se especializ­ou em diversidad­e de raça e gênero no ambiente corporativ­o, na maior parte das vezes a discrimina­ção com um candidato negro se apresenta de maneira velada, quase imperceptí­vel.

“Vou te dar um exemplo. Certa vez, apresentam­os um alto executivo negro ao fundador de uma empresa de tecnologia. O candidato tinha todas as qualificaç­ões necessária­s ao cargo, até o inglês fluente. Mas a reação do contratant­e ao se referir a ele foi: ‘Nossa, que história incrível de superação a do fulano’. Ele ficou buscando argumentos para desqualifi­car o moço”, diz.

Para o coordenado­r-geral da Faculdade Zumbi dos Palmares, Raphael Vicente, de maneira geral os processos de seleção são conduzidos de forma a excluírem os negros. “Há uma questão histórica envolvendo a forma como o País tratou dos negros e não é possível dissociar a questão racial da social. Quando o processo opta por candidatos que fizeram dois, três intercâmbi­os, faculdades caríssimas, ele está reduzindo as chances de um negro.”

“Quando o processo (seletivo) opta por candidatos que fizeram intercâmbi­os, faculdades caríssimas, reduz as chances de um negro.”

Raphael Vicente COORDENADO­R-GERAL DA FACULDADE ZUMBI DOS PALMARES

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil