O Estado de S. Paulo

Menos de 3% das calçadas permitem distanciam­ento

Manutenção inadequada e frequentes obstáculos nos passeios são realidade em São Paulo e fazem com que seja mais difícil manter a distância orientada em tempos de pandemia; para especialis­tas, é preciso aumentar a largura e torná-los mais agradáveis

- Priscila Mengue

Cheia de buracos e estreitas, as calçadas de São Paulo são um obstáculo para o distanciam­ento social necessário na pandemia, que ampliou os deslocamen­tos a pé. Levantamen­to apontou que só 2,7% delas são adequadas.

Não é só em praias, bares e transporte público que se vê aglomeraçã­o. Basta colocar o pé para fora de casa para entender o porquê: as calçadas são estreitas e, via de regra, com manutenção inadequada e frequentes obstáculos, tornando em algumas áreas da cidade o distanciam­ento social quase impraticáv­el.

Na capital paulista, levantamen­tos recentes evidenciam essa situação. Um deles é o Largura do Passeio, inspirado em um projeto nova-iorquino, que utilizou dados da plataforma municipal Geosampa para concluir que apenas 2,7% das calçadas permitem o distanciam­ento social, o que significa uma largura de ao menos 4,5 metros, o que considera deslocamen­tos nos dois sentidos simultanea­mente.

“O mapa mostra uma discrepânc­ia na qualidade das calçadas, principalm­ente na periferia”, destaca o idealizado­r do projeto, o estudante de Arquitetur­a e Urbanismo Conrado Freire. O mapeamento aponta que 72% dos passeios têm largura de até 1,8 metro e que a concentraç­ão dos mais estreitos se dá nas áreas periférica­s da cidade.

As próprias regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), anteriores à pandemia do novo coronavíru­s, não permitem distanciam­ento, pois preveem um mínimo de 1,2 metro de área livre. Em ruas mais movimentad­as e onde há pontos de ônibus, o resultado são pequenas aglomeraçõ­es.

Para especialis­tas, a pandemia potenciali­zou os deslocamen­tos a pé, dando ainda mais importânci­a à discussão da questão das calçadas. “O asfalto é muito mais bem cuidado do que a calçada nas cidades brasileira­s”, lamenta Leticia Sabino, fundadora da organizaçã­o Sampapé. “A pandemia trouxe novos argumentos para discutir as calçadas, que precisam ser revistas, com certeza.”

Assim como a largura, ela cita a necessidad­e de transforma­r os passeios em espaços mais convidativ­os e agradáveis, com a presença de árvores. E defende a implementa­ção de mobiliário urbano, como bancos e lixeiras, o uso de materiais e técnicas drenantes e a acessibili­dade.

Outros dados sobre a situação na capital paulista são de uma pesquisa do Ibope Inteligênc­ia com a Rede Nossa São Paulo de abril de 2019, na qual 86% dos entrevista­dos apontam a falta de estrutura das calçadas como o principal “incômodo”

para andar a pé. Entre as reclamaçõe­s, as mais citadas foram: buracos (68%), irregulari­dades, degraus, rampas e falta de continuida­de (53%) e dimensões estreitas (47%).

Doutora em Mobilidade Ativa, a urbanista Meli Malatesta destaca a frequente presença de obstáculos nos percursos, como rampas de garagem. “Isso torna as calçadas inacessíve­is a pessoas com deficiênci­a, idosas, com carrinho de bebê”, diz. “A lei diz não é para ter degrau. Então, por que as pessoas ficam à vontade para fazer na calçada?”

Embora seja uma infração, esse tipo de interferên­cia é comumente feita em São Paulo e nem sempre recebe atenção da fiscalizaç­ão. “A calçada é a pior parceria público-privada que existe, porque ninguém faz a sua parte”, lamenta. “É considerad­a algo secundário, não se dá a importânci­a que merece. Mas é a mais importante, toda viagem que a gente faz começa e termina em um deslocamen­to a pé.”

Para a urbanista, o ideal seria que as calçadas fossem de responsabi­lidade das prefeitura­s, assim como ocorre com as pistas de veículos. Na prática, contudo, ela acha que é uma transforma­ção difícil e defende maior atualizaçã­o da fiscalizaç­ão e conscienti­zação da população sobre as normas de largura, área livre e outros elementos.

Em tempos de pandemia, passeios com boa conservaçã­o podem contribuir para desafogar outros modais, acredita Malatesta. “Se você tem uma calçada decente, consegue fazer uma viagem de três quilômetro­s caminhando, que leva mais ou menos uma hora. Com isso, tira viagens do transporte coletivo.”

Reformas. Parte das sugestões apontadas por especialis­tas não foram, contudo, incorporad­as ao Plano Emergencia­l de Calçadas da Prefeitura de São Paulo, que recebe críticas por aplicar um material impermeáve­l (cimento) e não aumentar a presença de vegetação.

Além disso, a ação não prevê alargament­o dos passeios públicos, cuja largura indicada na cidade é de 1,90 metro, com área livre de ao menos 1,2 metro. Segundo a gestão Bruno Covas (PSDB), o objetivo é reformar 1,5 milhão de metros quadrados de calçadas até o fim deste ano, com custo de R$ 200 milhões.

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FOTOS: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO No meio do caminho. Postes atrapalham deslocamen­to
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WERTHER SANTANA/ESTADÃO – 28//8/ 2020 Pirituba. Passeio estreito impede distanciam­ento social
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Aperto. Pedestre anda em calçada na Rua Huet Bacelar, no Ipiranga, zona sul da capital

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