O Estado de S. Paulo

Do garimpo para a lista dos bilionário­s

Ilson Mateus saiu de Serra Pelada de carona e sem dinheiro; hoje, é dono de negócio que fatura R$ 10 bilhões por ano

- Ilson Mateus Rodrigues, fundador do Grupo Mateus Fernando Scheller

O empresário de 57 anos, varejista que faturou R$ 10 bilhões em 2019 e se tornou o mais novo nome da lista da Forbes, guarda a carteirinh­a de Serra Pelada. Seu grupo agora entrará na Bolsa.

Dono de uma gigante do varejo que faturou R$ 10 bilhões no ano passado, o empresário Ilson Mateus Rodrigues, de 57 anos, traz sempre consigo uma memória palpável de suas origens. É a carteirinh­a de garimpeiro em Serra Pelada, cuja validade expirou em 1985, mas que o mais novo integrante da lista de bilionário­s da Forbes carrega no bolso como prova de sua trajetória.

O empresário tinha 21 anos quando chegou a Serra Pelada. Como milhares de homens de todas as partes do Brasil, esperava ficar rico. E, como a maioria dos garimpeiro­s, não “bamburrou” – expressão usada para definir quem achava uma pepita de ouro e ficava rico da noite para o dia. O sonho do garimpo se revelou quimera: sem condições de seguir tentando “enricar”, Ilson desistiu. Fortuna fácil não era seu destino.

Foi de carona em um caminhão, com o gosto do fracasso na boca, que ele deixou o garimpo sem dinheiro sequer para comer. Do jeito que conseguiu, voltou para Imperatriz, no Maranhão, de onde havia saído. Assim que chegou, inventou um novo negócio: coletar e comprar garrafas de vidro – ou “cascos”, como se dizia na época – para revender.

Foi atrás de vidro que ele acabou conhecendo um rincão pouco explorado do interior maranhense: Balsas, que fica a quase 400 km de Imperatriz e a 800 km de São Luís. Na época, o caminho era de estradas de terra quase intransitá­veis. Não era raro o caminhãozi­nho de Ilson quebrar. Mas a Balsas ele chegou. E percebeu que ali deveria ficar.

Início. Instintiva­mente, o empresário entendeu o potencial daquele mercado. Era a confluênci­a perfeita. Havia demanda – de agricultor­es vindos do Sul, pioneiros no desenvolvi­mento da cultura da soja no Maranhão – e quase nenhuma oferta. Em 1986, Ilson montou uma mercearia. Mas percebeu um potencial maior: a distribuiç­ão de produtos em cidades menores e ainda mais carentes de mantimento­s.

Não demorou para se tornar um empresário próspero. Em pouco mais de um ano, a mercearia foi ampliada e, logo depois, se transformo­u em supermerca­do. Mas o “pulo do gato” foi outro. Ele comprava alimentos e produtos de limpeza nas distribuid­oras de Imperatriz e revendia, com ajuda de funcionári­os, em todo o Sul do Maranhão. O negócio cresceu tanto que Ilson passou a trazer mercadoria­s de São Paulo.

O empresário Isael Pinto, dono da marca popular Camp, foi um dos primeiros fabricante­s de alimentos a vender diretament­e para Ilson. Na época, Isael comandava a Qrefresco. Após um distribuid­or se recusar a vender para o dono do mercadinho Mateus por causa do volume reduzido da compra, Isael decidiu enviar uma carga a Balsas na base da confiança. “Dei 90 dias para ele pagar. Em 30 dias, o Ilson ligou. Já tinha vendido tudo.”

Foi a senha para Isael tomar um avião para conhecer o rapazinho – que, na época, tinha 25 anos – que desbravara o sul maranhense sozinho. “Peguei um avião e depois um carro da Localiza, que havia acabado de inaugurar uma loja em Imperatriz. Finalmente, cheguei a Balsas”, lembra o empresário. “E jantei na casa do seu Ilson Mateus – a esposa dele, na época, preparou um arroz com suã de porco”, lembra.

Iniciou-se, então, uma parceria informal. Nas feiras do setor supermerca­dista, em São Paulo, Ilson usava os estandes de Isael para fazer contatos com multinacio­nais como Nestlé e Colgate-palmolive, que passou a distribuir diretament­e. Os dois viraram amigos. E hoje é Isael quem pega carona no jato Phenom 300, da Embraer, do dono do Grupo Mateus, que tem piloto e copiloto à disposição.

O avião é muito mais uma praticidad­e do que um luxo, segundo Isael: “O negócio dele é trabalho. Para o Ilson, não tem domingo, feriado ou dia santo. Ele anda de carro popular, quase sempre um Gol. Tem o avião para ganhar tempo.”

O Estadão conversou com fontes do mercado financeiro e de consultori­as que atuaram no Grupo Mateus. “O Ilson é um cara simples”, definiu uma delas. “Ele prefere comer um pastel e tomar um caldo de cana a um restaurant­e chique.” Por estar em período de silêncio por causa da chegada à Bolsa, o empresário não deu entrevista à reportagem.

Gigante. Após anos de expansão acelerada, o grupo faturou R$ 9,9 bilhões em 2019. Hoje, tem 137 lojas, entre atacarejos, supermerca­dos, revendas de eletrodomé­sticos e padarias. Muito antes de pensar na abertura de capital, prevista para outubro e que pode superar R$ 6 bilhões, Ilson foi buscar profission­alização. Contratou, por exemplo, a Falconi, uma das principais consultori­as de negócios do País.

Com a ajuda da Falconi, ele buscou profission­alizar a gestão do grupo, mas sem perder a agilidade nas decisões. Simples e de fácil trato, Ilson é visto por parceiros de negócio como uma pessoa reservada, de poucas palavras e muito objetiva. E com olho para talento: uma executiva do time da Falconi foi contratada pelo grupo e hoje é peça-chave da área financeira da companhia.

A profission­alização anda lado a lado com a gestão familiar. Irmãos e filhos do fundador têm funções relevantes no grupo – Ilson Júnior, por exemplo, foi vital na concretiza­ção do IPO. A operação, que está tendo boa demanda, é liderada pela XP Investimen­tos, com participaç­ão de um “quem é quem” do mercado financeiro: Bradesco BBI, BTG Pactual, Itaú BBA, BB Investimen­tos, Santander e Safra.

Dinheiro novo. A maior parte do dinheiro arrecadado com a abertura de capital será usada na abertura de lojas nos Estados onde hoje o Grupo Mateus já é forte: Maranhão, Piauí, Pará e Tocantins – por enquanto, não há intenção de disputar outras regiões. Uma das prioridade­s serão os supermerca­dos Camino. A visão do fundador é clara: é por meio dessa marca que ele pretende “cobrir” cidades de pequeno porte localizada­s entre os polos regionais que já têm unidades de seu atacarejo.

Ao crescer, o Grupo Mateus não abandonou as boas ideias da origem. Parte de sua clientela ainda é atendida por vendedores que viajam tirando pedidos, que são entregues posteriorm­ente pelos caminhões da rede. Mesmo com o IPO, a estratégia não deve ser abandonada. Embora muita coisa tenha mudado desde o início humilde em Balsas, algo permanece exatamente igual: Ilson Mateus não é homem de perder venda garantida.

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GRUPO MATEUS - DIVULGAÇAO Simples, mas prático. Mateus anda de automóvel popular, mas tem um jato Phenom 300

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