O Estado de S. Paulo

Longo trabalho de ajuste

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O projeto de lei das Fake News aprovado no Senado precisa de ajustes e esse é o trabalho que cabe à Câmara agora.

Em junho, o Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) 2.630/2020, o PL das Fake News, que propõe instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabi­lidade e Transparên­cia na Internet. A elaboração de um marco jurídico para a desinforma­ção – que engloba as fake news e outras mensagens equivocada­s produzidas e disseminad­as com o intuito de causar dano – é um assunto complexo, que requer especial cuidado. Uma lei desequilib­rada sobre a matéria pode gerar muitos danos, afetando indevidame­nte garantias fundamenta­is. Manifestam­ente prematuro, o texto aprovado pelo Senado precisa de vários ajustes – eé esse o trabalho que cabe à Câmara agora realizar.

Logo após o PL 2.630/2020 ser encaminhad­o à Câmara, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reconheceu a necessidad­e de um debate maduro para aprimorar o texto aprovado pelos senadores. “Tenho certeza de que os parlamenta­res, junto com a sociedade, vão conseguir chegar a um texto que garanta as liberdades de cada cidadão, mas que organize o tema para que aqueles que usam as redes sociais de forma indevida possam ter a sua punição. Acredito que esse debate será importante para que a Câmara possa construir um texto ainda melhor do que aquele construído pelo Senado”, disse Maia.

No momento, o assunto está sendo discutido por um grupo de trabalho na Câmara, que deverá apresentar uma proposta de minuta – na verdade, um substituti­vo – para o PL das Fake News. É um trabalho longo, a ser desenvolvi­do com calma. Por exemplo, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), referência internacio­nal na matéria, foi resultado de um debate de anos. De toda forma, é de reconhecer que o que foi trazido até agora pelos deputados, nessa fase inicial de discussão, apresenta algumas melhorias efetivas em relação ao texto do Senado.

Por exemplo, o deputado Orlando Silva (PCDOB-SP) apresentou proposta prevendo remuneraçã­o às empresas de jornalismo por conteúdos usados pelos buscadores na internet. É um ponto elementar de justiça e de respeito à lei. O conteúdo jornalísti­co não é um material sem dono, a ser usado indiscrimi­nadamente. Ao contrário, é próprio de um regime de liberdade proteger o trabalho jornalísti­co. No caso, a proposta da Câmara é remunerar as empresas de jornalismo pelo conteúdo indexado nos sites de busca.

Outro ponto discutido no grupo de trabalho da Câmara refere-se à rastreabil­idade das mensagens, o que envolve diretament­e a privacidad­e dos usuários. O texto aprovado pelo Senado prevê, no art. 10, o armazename­nto por três meses dos registros de mensagens encaminhad­as em massa. Segundo o PL 2.630/2020, são assim considerad­as todas as mensagens enviadas por mais de cinco usuários e que alcançaram mais de mil destinatár­ios. A proposta da Câmara é restringir o uso desse armazename­nto de informaçõe­s pessoais, condiciona­ndo-o à prévia decisão judicial.

Deputados também querem coibir de forma mais eficiente o funcioname­nto de contas e perfis automatiza­dos, os chamados robôs. Uma das ideias é exigir a identifica­ção tanto dos anunciante­s como dos responsáve­is por contas que impulsiona­m conteúdos pagos. O descumprim­ento desse requisito daria ensejo à responsabi­lidade solidária por parte das plataforma­s pelos danos causados pelo material difundido.

Diante dos deletérios efeitos sociais e políticos que a desinforma­ção produz, é necessário que o Congresso elabore um marco jurídico adequado sobre o tema. A legislação clássica relativa aos crimes contra a honra – calúnia, injúria e difamação – é insuficien­te para proteger os bens jurídicos afetados pela desinforma­ção atualmente disseminad­a no mundo virtual. No entanto, o novo marco jurídico deve combater as novas formas de abuso, mas sempre respeitand­o as liberdades e garantias fundamenta­is. Por exemplo, é essencial preservar os princípios estabeleci­dos pelo próprio Legislativ­o com o Marco Civil da Internet. Não há prazo para aprovar o PL das Fake News. O importante é que a nova lei de fato respeite a neutralida­de da rede, a privacidad­e dos usuários e a liberdade de expressão.

O Projeto de Lei das Fake News aprovado pelo Senado precisa de vários ajustes

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