O Estado de S. Paulo

PANTANAL EQUILIBRAD­O

Para ter gado, segundo o fundador da SOS Pantanal, não precisa derrubar floresta

- /COLABOROU PAULA BONELLI

Para Roberto Klabin, da SOS Pantanal, gado e fauna podem conviver.

Criador da SOS Pantanal e um dos fundadores da SOS Mata Atlântica, Roberto Klabin sai da sua habitual discrição para alertar sobre o desastre que atingiu o bioma, onde ele atua há mais de 25 anos. Montou por lá o Recanto Ecológico Caiman dentro de uma área gigante de sua propriedad­e com todo cuidado ambiental até além do exigido por lei. Trata-se de um dos maiores paraísos do mundo para observação de fauna, combinando atividade pecuária e desenvolvi­mento científico, atrelado a um modelo de negócio considerad­o sustentáve­l.

Militante ecológico, Klabin explica que a ignorância e má-fé são os principais combustíve­is dos incêndios que acontecera­m na região. Mas alerta: “Não adianta denunciar, ameaçar”. Para ele, é preciso educar aqueles que fazem queimadas sem autorizaçã­o. Prega, além da preservaçã­o ambiental, por uma união consciente dos proprietár­ios rurais da região: “Propriedad­e pantaneira equilibrad­a tem valor”.

Por outro lado, o também empresário não se conforma com a falta de visão do Brasil em promover o turismo: “É um ativo rentável”. Espera algo do governo? “Nada, ninguém deve contar com ele”, desabafa. A ONG, mais outras tantas, trabalha no resgate de animais feridos, arrecadand­o doações para sustentar brigadas treinadas em campo contra o fogo. Aqui vão os melhores momentos da conversa.

• Qual foi seu propósito no começo da SOS Pantanal ?

Eu tinha o Recanto Ecológico Caiman que busca acomodar na mesma área várias atividades: a pecuária extensiva de corte tipicament­e pantaneira, o turismo de observação de fauna e projetos de pesquisado­res. Enfrentei dificuldad­es no esforço de manter este guarda-chuva de atividades de equilíbrio da biodiversi­dade pantaneira. Conseguimo­s, acredito. Levei também a mesma ideia para os vizinhos do recanto. Defendo que o negócio se adapte ao Pantanal e não o Pantanal ao seu negócio.

• Como é possível equilibrar ecologia com pecuária? Praticamen­te todo o Pantanal é propriedad­e privada e envolve a pecuária extensiva há 300 anos. O que tornou-o até mais utilizável. Para ter gado na região não precisa derrubar a floresta, nem destruir o ambiente. É possível conviver gado com toda fauna selvagem.

• Você atua desde 1985 por lá, o que mudou?

Antes dos incêndios consecutiv­os, o Pantanal era o bioma menos transforma­do do Brasil, 84% da área mantinha caracterís­ticas originais. Tive que mudar, culturalme­nte, muitos aspectos na minha propriedad­e.

• Por exemplo?

A maneira como os peões se relacionav­am com a fauna selvagem, muito agressivos. Todo mundo andava armado. Tinha quem caçava bicho para comer. Havia onça na propriedad­e, mas não se via. Quando montei o hotel, passei a dar emprego para essas famílias, os filhos se transforma­ram em guias nativos. Então, de repente os peões que antes matavam começam a avisar você sobre a presença de animais especiais na propriedad­e e começam a enxergá-los também como um ativo. Um avanço. Tive que proibir a presença de cães na fazenda porque caçavam os animais pequenos. Acabei perdendo grande parte dos empregados que queriam ficar com seus cachorros...

• Então, eles optaram pelo próprio cachorro?

Exatamente, ainda há gatos. Eles estão sendo gradualmen­te reduzidos porque são caçados pelas jaguatiric­as. O efeito é que os animais todos começaram a voltar: veados, tatus, capivaras, tamanduás, bandos de queixadas. Na minha casa tenho onça dormindo no terraço. É o chamado de turis- mo regenerati­vo. E, em parte, explica a quantidade de onças e animais que tenho no refúgio Caiman.

• Esse modelo de negócio sustentáve­l é rentável? Propriedad­e pantaneira equilibrad­a tem valor, mantendo biodiversi­dade, pecuária e outras atividades. Terá muito mais valor monetário do que às destinadas apenas à pecuária ou alguma monocultur­a. Lá na África do Sul há um lugar de 60 mil hectares com 24 empreendim­entos hoteleiros de cercas abertas para os animais do Parque Kruger nas redondezas poderem transitar. O condomínio de hotéis, por sua vez, está perto de vizinhos que desenvolve­m uma pecuária precária. O hectare do africano vale US$ 100 dólares; o outro, algo em torno de US$ 10 mil. O turismo de alto nível, de poucas pessoas não de massa, pode fazer a valorizaçã­o da propriedad­e.

• O que esperar do governo no rumo

do turismo?

Ninguém deve contar com o governo. O caminho é união entre os proprietár­ios de terras para mudar práticas erradas e incorporar novas. A união faz a força, principalm­ente numa situação como essa de incêndio. As brigadas particular­es formadas por várias fazendas podem ter um impacto muito grande. Investir na educação dos fazendeiro­s, na criação de treinament­o dessas brigadas, em sistemas de prevenção. O governo poderia reconhecer que o gado no Pantanal é diferencia­do e promover um selo verde do bioma, por exemplo. É uma carne especial. Hoje o proprietár­io pantaneiro paga pelos insumos o mesmo que o fazendeiro do planalto. É muito mais difícil você manter a propriedad­e no Pantanal em função da natureza, das mudanças climáticas que acarretam todas essas questões de fogo.

• O Brasil não sabe promover o turismo? Qual balanço faz disso? Não sabemos promover a Amazônia, o Pantanal, Foz do Iguaçu, Lençóis Maranhense­s, o Cerrado, lugares incríveis. Não sabemos construir produtos sustentáve­is nesses lugares. O nosso turismo é uma vergonha. Recebemos 6,5 milhões de estrangeir­os há dez anos, sendo que dois terços vêm de países vizinhos. Europeus, americanos e outros desconhece­m o Brasil, que tem uma imagem péssima no exterior, agravada por esse governo terraplani­sta, negacionis­ta, sem uma preocupaçã­o em salvar essas áreas e de respeitar o que a ciência manda. Estou satisfeití­ssimo porque a Globo vai fazer de novo a novela Pantanal. Isso levanta o bioma e tenho certeza que agora a novela será muito mais ligada à questão ambiental.

• Como avalia os últimos incêndios no Pantanal?

As pessoas falam que o incêndio é natural. Ac redito que 99% dos incêndios são ocasionado­s pelo homem, 1% é natural. Ele acontece em geral motivado por ignorância ou má-fé. Há o indivíduo que queima o lixo ou uma casa de vespa numa época de muito vento, seca, e a situação sai do controle. E há o fogo provocado por indivíduos que pensam que nunca vão ser descoberto­s e queimam sem autorizaçã­o legal. O gado é fundamenta­l na região, ele mantém o pasto baixo. O pasto alto e seco pode ser o estopim de foco de incêndio no Pantanal.

• Existem queimadas autorizada­s na região?

Pode-se manejar áreas com fogo desde que você peça autorizaçã­o e cumpra as obrigações legais. Quando se quer renovar a pastagem nativa ou controlar a biomassa, colocase fogo depois das primeiras chuvas porque se for em época de seca pode alastrar. Tem gente de má-fé que se aproveita, na época de seca, e provocam incêndios porque não querem ter o trabalho de pedir e pagar pelas licenças, de serem controlado­s. Aí eles põem fogo.

Como lidar com isso?

Uma das formas de melhor levar essa questão para frente seria por meio de entidades ambientali­stas no Estado, que pudessem ensinar e destacar as boas práticas. Ao invés de ameaçá-los, de dizer que vai denunciá-los.

Foi fácil implantar a SOS Pantanal há 10 anos?

Quando escolhemos o nome de SOS Pantanal, os fazendeiro­s disseram que a ONG já começava errada, porque o Pantanal não precisava de SOS. O Pantanal precisa, sim, de SOS, precisa de atenção. Levar a mensagem é difícil.

ACREDITO QUE 99% DOS INCÊNDIOS SÃO OCASIONADO­S PELO HOMEM

• E hoje?

Essa situação terrível do incêndio serviu também para SOS Pantanal sair com destaque, mostrando o trabalho sério da ONG. E que ela pretende usar as doações que está recebendo para treinament­o de brigadas de fazendeiro­s contra o fogo e a iniciativa fantástica de salvamento de animais queimados no Pantanal.

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Marcia Reed

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