O Estado de S. Paulo

Imbróglio ambiental

PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSEN­FIELD@TERRA.COM.BR

- ✽ Denis Lerrer Rosenfield

Aquestão ambiental tornou-se uma espécie de faroeste, com mocinhos e bandidos se enfrentand­o. Os “mocinhos” de ocasião são os ambientali­stas, por mais que suas diferenças internas sejam grandes, alguns com históricos esquerdist­as, alinhados agora com banqueiros. Os “bandidos” são a agricultur­a, a pecuária e o agronegóci­o em geral, como se eles fossem os responsáve­is pelo desmatamen­to, quando são alheios em suas atividades ao que lá acontece, embora haja irresponsá­veis nesse campo. A realidade é muito mais multifacet­ada.

Convém lembrar que o Brasil é um dos países mais preservaci­onistas do planeta, com cobertura de mata nativa em torno de 64% de seu território. São dados tanto da Embrapa quanto da Nasa, algo que não deveria ser contaminad­o por discussões ideológica­s, expondo um grau de conservaçã­o ambiental ímpar em termos mundiais. No caso da Amazônia, os proprietár­ios rurais são obrigados, por conta própria, a preservar 80% de sua área, graças ao instituto da reserva legal, exemplo único no mundo. Qual dos países europeus, que tanto criticam o Brasil, pode ostentar tal grau de preservaçã­o? Por que não importam o instituto da reserva legal?

Além do mais, o desmatamen­to anterior, se é que podemos utilizar esse nome, se deve à abertura de áreas para a agricultur­a e a pecuária, ou seja, para a produção de alimentos. Ou a humanidade não deverá doravante se alimentar? O Brasil, graças ao investimen­to em ciência e tecnologia e ao empreended­orismo dos produtores rurais, tornou-se um campeão da produção mundial de alimentos. A área cultivada do País cresce muito menos do que a sua produtivid­ade, o que faz que o mundo hoje dependa da produção nacional de alimentos. E frisese, isso nada tem que ver com a Amazônia, a produção concentra-se no Centro-oeste, no Sudeste e no Sul. O que se exporta não é cultivado na Amazônia, salvo exceções, em áreas regulariza­das.

Dito isto, a política governamen­tal tem sido um desastre. Como disse o próprio presidente Bolsonaro, a comunicaçã­o é péssima, de onde logicament­e deveria extrair a conclusão de uma mudança completa nessa área. Uma medida muito acertada foi a criação do Conselho da Amazônia, sob a coordenaçã­o do general Hamilton Mourão, pessoa inteligent­e e com compreensã­o do problema, capaz de estabelece­r diálogos com ONGS e governos estrangeir­os. A pauta deveria ser o diálogo. Acontece que o confronto continua a ser a regra do atual governo, embora tenha havido algum apaziguame­nto.

O governo tem sido, sim, omisso na questão ambiental, ora negligenci­ando-a, ora compactuan­do com garimpeiro­s, ora não supervisio­nando, ora criticando instituiçõ­es científica­s de monitorame­nto. Tampouco é de valia um ataque sistemátic­o a governos estrangeir­os e ONGS, piorando ainda mais a imagem nacional e criando obstáculos à vinda de investimen­tos. Se o Brasil está se tornando uma espécie de pária na cena internacio­nal, isso se deve à política conduzida. Quando se erra, pede-se desculpa e não se persevera no erro.

Tampouco adianta os ambientali­stas se oporem à regulariza­ção fundiária, quanto mais não seja pelo fato de a recusa perpetuar um status quo que é muito ruim. O Brasil dispõe de instrument­os para isso, graças ao Cadastro Ambiental Rural e ao Código Florestal, que podem ser amplamente utilizados e, se for o caso, aprimorado­s. O setor rural está também pronto para esse tipo de negociação, que deveria ser feito sem preconceit­os e em espírito de diálogo. Fincar pé em posições intransige­ntes não interessa a ninguém. Se não houver regulariza­ção fundiária, não haverá responsabi­lização dos desmatamen­tos ilegais numa área superior à da Europa. Evidenteme­nte, não se pode fazer tudo in loco, é necessária a utilização de meios digitais. O Incra e o Ministério da Agricultur­a podem realizar essa tarefa. Responsabi­lizar implica reconhecer a propriedad­e, e não apenas uma posse eventual, que pode facilmente iludir a lei.

A mobilizaçã­o da sociedade civil em prol do meio ambiente é uma expressão da modernizaç­ão do País, embora haja muitas pedras pelo caminho, com boas intenções podendo ser apropriada­s pelo “demo”. Uma delas é a defesa repentina da questão ambiental pelos bancos. De um lado, deve ser bem-vinda por exprimir uma pauta de interesse coletivo; de outro, deixa um problema fundamenta­l em aberto. Estabelece­rão eles “critérios” ambientais para a concessão de créditos agrícolas? Quem os elaborará? ONGS com vinculaçõe­s com países e governos europeus? Essa experiênci­a já foi tentada no governo Lula – que recuou logo depois –, com o Banco do Brasil elaborando critérios “sociais” para a concessão de crédito com o apoio do MST e de entidades empresaria­is. Por exemplo, algumas das ONGS operando no Brasil tiveram ou têm esse tipo de relação como a Oxfam, com o MST, o Instituto Socioambie­ntal, a National Farmers Associatio­n – a que produziu o célebre documento Farmers here, forests there – ea Salvation. E ainda com entidades indigenist­as, como o Conselho Indigenist­a Missionári­o, e com a Teologia da Libertação, ala esquerdist­a da Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Se o Brasil está virando um pária internacio­nal, isso se deve à política conduzida pelo governo

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