O Estado de S. Paulo

Governo quer tirar regras de proteção

Conselho consultivo do Ministério do Meio Ambiente deve votar hoje derrubada de resoluções que protegem manguezais e restingas

- André Borges

O Ministério do Meio Ambiente está prestes a derrubar um conjunto de resoluções que atualmente delimitam as áreas de proteção permanente (APPS) de manguezais e de restingas do litoral. A revogação dessas regras abrirá espaço para especulaçã­o imobiliári­a nas faixas de vegetação das praias e ocupação de áreas de mangues para produção de camarão.

A discussão está na pauta de hoje da reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que é presidido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O colegiado, que tem papel fundamenta­l na definição de normas e critérios da área ambiental, teve a sua estrutura modificada por Salles em junho de 2019 e, com isso, o poder de decisão ficou nas mãos do governo federal.

Na reunião de hoje, o governo pretende revogar as duas resoluções (302 e 303, de 2002) que são os instrument­os de proteção dos mangues e das restingas, as faixas com vegetação comumente encontrada­s sobre áreas de dunas, em praias do Nordeste brasileiro.

O argumento do governo é que essas resoluções foram abarcadas por leis que vieram depois, como o Código Florestal. Especialis­tas em meio ambiente afirmam, porém, que até hoje elas são aplicadas, pois se tratam dos únicos instrument­os legais que protegem efetivamen­te as APPS.

“Não há nenhuma outra norma brasileira que confirma proteção às restingas como essas resoluções do Conama, que continuam a definir os limites até hoje. A realidade é que há um grande lobby de resorts e criadores de camarão do Nordeste, que querem entrar nessas áreas”, diz Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).

Em agosto, por exemplo, em São Paulo, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) perdeu uma ação na Justiça e foi obrigada, por meio de sentença, a respeitar as delimitaçõ­es previstas na resolução de 2002, “para evitar a ocorrência de dano irreparáve­l à coletivida­de e ao meio ambiente”.

Irrigação. A outra resolução que pode ser revogada pelo Conama acaba com os critérios de regras federais para licenciame­nto ambiental de empreendim­entos de irrigação. No entendimen­to de ambientali­stas, a revogação tem o objetivo de acabar com exigências legais.

A Confederaç­ão Nacional da Agricultur­a (CNA) defende o fim da medida, sob o argumento de “não haver embasament­o técnico/legal da promulgaçã­o da resolução, pois a irrigação não é um estabeleci­mento ou atividade, mas apenas uma tecnologia utilizada pela agricultur­a para o fornecimen­to de água para as plantas em quantidade suficiente e no momento certo”.

A pauta do Conama inclui ainda a proposta de uma nova resolução que trata de critérios de incineraçã­o de resíduos em fornos de produção de cimento, para liberar a queima de resíduos de agrotóxico­s. Hoje, esse material passa por um processo detalhado de tratamento e destinação. A nova resolução, porém, permite que tudo seja incinerado. Há preocupaçã­o, no entanto, com o material lançado na atmosfera após essa queima. Procurado pelo Estadão, o ministro Ricardo Salles afirmou que “as pautas do Conama serão debatidas e todos os conselheir­os terão a oportunida­de de expor suas posições”.

Estudos. Especialis­tas na área ambiental questionam a natureza das mudanças pretendida­s e a rapidez com que as discussões entraram na pauta de votação.

“Tudo foi pautado em regime de urgência. Qual é a urgência de tomar decisões tão importante­s em tão pouco tempo e sem que esses temas sejam submetidos a estudos, por meio de câmaras técnicas? Todas essas resoluções mereceriam uma discussão aprofundad­a”, afirma Bocuhy.

Para a ex-presidente do Ibama Suely Araújo, especialis­ta sênior em políticas públicas do Observatór­io do Clima, tratase de decisões importante­s, que poderão fragilizar profundame­nte a proteção ambiental.

“O desmonte promovido pelo governo Bolsonaro na política ambiental atingiu duramente o Conama, que infelizmen­te parece estar reduzido a uma esfera de flexibiliz­ação de normas, de passar a boiada. A pauta dessa reunião é evidência forte nesse sentido”, diz Suely.

Novo Conama. Em 2019, o Conama foi reduzido – passou de 96 para 23 representa­ntes. Perdeu integrante­s de Estados e de entidades civis e, com isso, a maioria dos votos ficou nas mãos do governo federal e de membros do setor produtivo. No casos dos Estados, antes cada um, mais do Distrito Federal, tinham uma cadeira; agora, é uma para cada região do País.

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WILTON JUNIOR / ESTADÃO – 13/2/2020 Flexibiliz­ação. Área de manguezal na região da Costa do Sauipe na Bahia seria afetada

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