O Estado de S. Paulo

Seguro, precisa explicar

- •✽ ANTONIO PENTEADO MENDONÇA ✽ SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA E CHAR ADVOCACIA E SECRETÁRIO-GERAL DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

Na maioria das vezes, as coisas e os fatos têm explicação lógica, dentro do campo normal. Acontecem por uma série de fatores que não precisam da ajuda de milagres, trabalhos, forças ocultas ou escrita nos astros. Simplesmen­te acontecem porque acontecem, e se, às vezes, parece que uma mão mágica se colocou debaixo e evitou o pior, é porque não era para o pior acontecer e a explicação, até quando não parece clara, não foge ao mundo dos vivos e das causas naturais, mais ou menos complexas, mais ou menos raras, mas inseridas no campo dos fenômenos possíveis dentro da realidade da vida.

Da mesma forma que a regra vale para as relações pessoais, vale para as relações empresaria­is, políticas e sociais. Milagre é mais complexo e mais raro do que imagem de santo chorar ou time de futebol não ser rebaixado.

E o setor de seguros não é exceção à regra. Na maioria das vezes, acontecem ações concretas, levadas a cabo em cima da realidade, que podem ou não ter resultados positivos.

É assim que vários planos de saúde privados tiveram, no primeiro semestre, um resultado muito melhor do que o esperado depois que a pandemia se instalou no País. Com a pandemia correndo solta, o número de casos aumentando, as mortes se tornando rotina e chegando na casa de mil por dia, uma análise menos cuidadosa do cenário poderia dar a impressão de que os planos de saúde privados não escapariam à sorte da maioria dos negócios que derreteram, afetados pelo coronavíru­s.

A explicação não é difícil de ser encontrada e é absolutame­nte lógica. Em primeiro lugar, se no início a doença atingiu pessoas de classes sociais mais elevadas, com o tempo a covid-19 deixou os bairros de classe média para invadir as periferias, ou seja, contaminou usuários do SUS.

Além disso, a pandemia teve como consequênc­ia o represamen­to do uso dos planos, pelo medo de contrair a doença. Assim, os procedimen­tos eletivos foram adiados ou cancelados, reduzindo a sinistrali­dade dos planos privados ao longo do semestre. Finalmente, a redução do número de segurados por causa do desemprego não foi imediata e simultânea, o que evitou a queda brusca do faturament­o. Mas este quadro deve piorar no segundo semestre.

Com relação aos seguros de pessoas, a pandemia até agora matou perto de 130 mil brasileiro­s. Mas as mortes não acontecera­m simultanea­mente, foram se dando ao longo dos meses e aumentado à medida que o semestre chegava ao fim.

Além disso, é pouco provável que 10% dos mortos por covid-19 tivessem seguro de vida. E, para compensar, com o isolamento social houve a redução do número de mortos em acidentes de todos os gêneros.

A contrataçã­o de seguros novos de todos os ramos sentiu o baque e apresentou forte queda. Especialme­nte em abril, o número de seguros de veículos zero quilômetro caiu para patamares ridículos. E os outros seguros não tiveram desempenho muito diferente. Em comparação com 2019, foi um período dramático, mas em maio o setor já apresentou uma pequena recuperaçã­o em relação ao mês anterior. Se bem que, na comparação anualizada, os números continuass­em negativos, a pequena variação para mais mostrou que o Brasil tem enorme capacidade de recuperaçã­o e indicou que a recessão de 2020 pode ser menor do que a inciialmen­te prevista.

Ninguém espera que o ano termine com o setor de seguros nadando de braçada para pegar a onda da retomada acelerada do cresciment­o. Isso não existe e a principal razão é que o País está longe de sair do buraco ou de, simplesmen­te, controlar a pandemia e trazer seus números para baixo.

A população jogou o coronavíru­s na conta e resolveu tocar em frente, sem se preocupar com o vírus continuar solto e matando perto de mil pessoas todos os dias. Como ouvi de um chileno que veio para cá, a sensação dele, comparando as realidades sanitárias dos dois países, é que o Brasil não tem coronavíru­s. E isso vai nos custar caro.

O ano será muito difícil para milhões de pessoas que perderão seus empregos e para empresas que quebrarão ao longo do caminho. Dentro deste quadro lamentável, o setor de seguros será dos menos afetados.

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