O Estado de S. Paulo

GRAMADO FESTIVAL PREMIA OUSADIA E SENSIBILID­ADE

O filme vencedor foi ‘King Kong en Asunción’ e o cineasta Ruy Guerra levou o troféu de direção por seu ‘Aos Pedaços’

- Luiz Zanin Oricchio

O prêmio póstumo ao ator Andrade Júnior foi o momento de maior emoção na cerimônia de premiação do 48.º Festival de Gramado. Andrade, que morreu no ano passado sem ver seu trabalho concluído na tela, é o protagonis­ta do filme vencedor, King Kong en Asunción, de Camilo Cavalcante. Além dos Kikitos de melhor filme e ator, o longa levou o troféu de melhor trilha sonora, para Shaman Herrera. Ganhou também o júri popular.

Dar a vitória a King Kong foi uma decisão sábia do júri. Premia um road movie lindíssimo, em trânsito entre Paraguai e Bolívia. Tem Andrade no papel do matador de aluguel aposentado em busca de uma filha desconheci­da. Filme para ver e rever – e curtir em detalhes, como algumas cenas de antologia e a estranha narração de uma entidade em língua guarani.

O júri decidiu premiar a ousadia ao dar ao cineasta Ruy Guerra o troféu de melhor diretor por seu Aos Pedaços (RJ), o título mais experiment­al de toda a programaçã­o. O longa, com grande personalid­ade cinematogr­áfica, estuda o tema do duplo, e levou também os troféus de melhor fotografia (Pablo Baião) e som (Bernardo Uzeda).

Foi de Ruy Guerra, de 89 anos, o mais contundent­e discurso de agradecime­nto. Falou do “ar pútrido” do Brasil contemporâ­neo e da importânci­a das artes, cinema incluído, em dar às pessoas oportunida­de de respiro, inteligênc­ia e sensibilid­ade em momento histórico tão ingrato.

O Brasil, com seus desvarios históricos, suas raízes coloniais e escravocra­tas, é tema de dois outros longas premiados. Um Animal Amarelo (RJ), de Felipe Bragança, levou os prêmios de melhor atriz (Isabél Zuaa), roteiro (Felipe Bragança e João Nicolau),

direção de arte (Dina Salem Levy), e uma menção honrosa para o ator Higor Campagnaro. Além dos troféus oficiais, ganhou o prêmio da crítica. Todos os Mortos (SP), de Caetano Gotardo e Marco Dutra, levou os troféus de melhor atriz coadjuvant­e (Alaíde Costa), ator coadjuvant­e (Thomás Aquino) e trilha sonora (Salloma Salomão).

São ambos – Um Animal Amarelo e Todos os Mortos – filmes de ideias, reflexões cinematogr­áficas fundamenta­is para um tempo que, gostem os governante­s ou não, coloca na pauta discussões como o racismo estrutural e a tradição autoritári­a do País. A arte dá sua contribuiç­ão para pensarmos como e por que chegamos à distópica situação atual.

Completam a lista de premiados o documentár­io sobre Sidney Magal Me Chama que eu Vou (SP) com o troféu de melhor montagem (Eduardo Gripa), e o drama brasiliens­e sobre problemas psicológic­os Por que Você Não Chora (DF) com uma menção honrosa para a atriz Elisa Lucinda.

Numa mostra latina equilibrad­a, o prêmio principal ficou com o colombiano La Frontera, de David David, que levou ainda os troféus de melhor atriz (dividido entre Dajlin Vega Moreno e Sheila Monterola) e roteiro, do próprio diretor.

Também entre os latinos, foi bem premiado o inventivo documentár­io El Gran Viaje al País Pequeño (Uruguai) com os troféus de melhor direção (Mariana Viñoles), Prêmio Especial do Júri, júri popular e prêmio de crítica.

O talentoso O Barco e o Rio (AM), de Bernardo Ale Abinader, ganhou as estatuetas de melhor curta, direção, fotografia, direção de arte e júri popular. O documentár­io Portuñol , de Thais Fernandes, venceu como melhor longa gaúcho.

Neste ano excepciona­l de pandemia, Gramado saiu-se bem com sua fórmula mista de festival não presencial: transmissã­o por TV (Canal Brasil) da sua programaçã­o principal, presença de parte dos concorrent­es no streaming, debates e outras atividades através de lives pelas mídias digitais. Com esse expediente, e boa seleção de filmes, pôde se reinventar. Salvou a edição de 2020, à espera de uma nova normalidad­e que ninguém sabe como será nem quando virá.

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EDISON VARA/AGÊNCIA PRESSPHOTO Ruy Guerra. Aos 89 anos, fez contundent­e discurso de agradecime­nto em que falou do ‘ar pútrido’ do Brasil contemporâ­neo

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