O Estado de S. Paulo

Projeto pode colocar em vigor sistema de vigilância onipresent­e

- Rokhaya Diallo / W. POST É JORNALISTA, ESCRITORA E CINEASTA FRANCESA.

Na tarde de ontem, uma multidão cantou o famoso lema do país, “Liberté, Egalité, Fraternité!”, no simbólico pátio de Direitos Humanos em frente à Torre Eiffel. Foi o terceiro protesto reunindo milhares de pessoas contra o projeto de lei de segurança global que põe em risco a liberdade de imprensa e pode significa a introdução de um sistema de vigilância onipresent­e.

O projeto estabelece restrições sem precedente­s à liberdade de expressão. Por ele, qualquer pessoa que publicar imagens de policiais que possam “prejudicar” sua “integridad­e física ou mental” pode pegar um ano de prisão e uma multa de ¤ 45.000.

Essa vaga caracteriz­ação do “dano potencial” é uma ameaça real ao direito de qualquer cidadão de documentar a atividade das forças de segurança da França. Isso está acontecend­o porque os vídeos revelaram incidentes de má conduta policial. Como a polícia poderá ser responsabi­lizada por abusos e uso excessivo da força quando filmá-la em ação pode resultar em prisão?

A menção a uma “integridad­e mental”, em particular, parece dar à polícia ampla margem de manobra para interpreta­r qualquer imagem que a coloque em posição desconfort­ável perante a lei. A nova lei seria um obstáculo para qualquer jornalista que tentasse cobrir protestos públicos ou qualquer evento que envolvesse ação policial.

A lei de segurança também amplia os poderes das forças policiais em relação à vigilância por vídeo, dando a elas acesso a câmeras de segurança em torno de lojas ou em edifícios e concedendo o direito de usar drones equipados com tecnologia de reconhecim­ento facial para monitorar manifestaç­ões públicas. Segundo o advogado Vincent Brengarth, especialis­ta em Direito Penal e liberdades individuai­s, isso constitui uma “reversão de nosso modelo social a um que poderíamos nomear, sem exageros, de Estado policial”. Esse comentário soa particular­mente perturbado­r consideran­do o fato de que o projeto de lei foi proposto pelo deputado Jean-Michel Fauvergue, aliado de Emmanuel Macron e ex-chefe da RAID, a unidade de elite da Polícia Nacional Francesa. A lei parece ser adaptada para satisfazer os sindicatos da polícia, em vez de proteger os cidadãos e seus direitos de exercer suas liberdades civis.

Vários órgãos de direitos humanos alertaram a França sobre essa tendência autoritári­a. Em nota, a Comissão Consultiva Nacional de Direitos Humanos afirmou que “nenhuma das instituiçõ­es encarregad­as dos direitos fundamenta­is na França foi consultada sobre o texto”. O órgão disse que “reserva-se o direito de examinar a legislação final para verificar sua conformida­de com a legislação da União Europeia”. O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas denunciou a lei por conter “violações significat­ivas dos direitos humanos e das liberdades fundamenta­is”.

Após os primeiros protestos contra a lei, um coletivo de sindicatos, jornalista­s, organizaçõ­es não governamen­tais e famílias de vítimas de violência policial publicou um artigo denunciand­o a violência policial que os manifestan­tes enfrentara­m após uma reunião pacífica. Em meio ao intenso debate, um policial espancou o jornalista Remy Buisine enquanto ele cobria a retirada brutal de imigrantes de um campo de refugiados em Paris. O vídeo foi visto mais de 1 milhão de vezes nas redes sociais. Por isso, com o Senado iniciando as discussões sobre o projeto, que será votado em janeiro, os cidadãos franceses que desejam promover as liberdades civis e a liberdade de imprensa devem continuar se opondo à esse projeto.

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