O Estado de S. Paulo

Instabilid­ade acelera fuga de empresas da Argentina

Saída de multinacio­nais ocorre depois de governo baixar norma que dificulta acesso ao dólar e remessas de lucro

- D.G. /

O presidente argentino, Alberto Fernández, vem encontrand­o dificuldad­es para tomar um rumo diferente de sua vice, Cristina Kirchner. A mistura entre o peronismo moderado de Fernández e o kirchneris­mo radical de Cristina, somado à desacelera­ção econômica por conta da pandemia, vem causando a maior saída de empresas multinacio­nais da Argentina desde a crise de 2002.

O auge da fuga ocorreu entre agosto e setembro, depois que a Casa Rosada anunciou novas restrições à compra de dólares e à transferên­cia de lucros para o exterior. A escassez de moeda forte no Banco Central, em razão do colapso das exportaçõe­s e da queda do fluxo de turistas, impulsiono­u as medidas que assustaram as empresas de capital estrangeir­o.

Os casos mais alarmantes foram os da Falabella, loja de departamen­to chilena – que inclui a CMR e a Sodimac –, da Latam, que não se retirou da Argentina, mas cancelou todas suas operações domésticas, e a da gigante americana Walmart, que foi comprada pelo ex-candidato a presidente Francisco De Narváez, uma espécie de Berlusconi argentino.

Outras multinacio­nais que deixaram a Argentina foram Wrangler, Nike, a companhia telefônica Brightstar, a farmacêuti­ca Pierre Fabre, além das aéreas Air New Zealand, Qatar Airlines e Norwegian Air. No último semestre, todas elas já haviam informado que estavam encerrando suas atividades no país. Três empresas do setor automotivo informaram a migração das operações para o Brasil: Basf, Saint-Gobain e Axalta.

Quem também está se despedindo da Argentina é a Danone, que deve deixar o país em 2021. Os ativos locais da gigante francesa devem ser comprados pela Arcor, uma das maiores empresas de alimentos de capital argentino, de acordo com fontes com acesso à gestão da multinacio­nal.

O faturament­o da Danone caiu 9,3% no terceiro trimestre e o CEO da empresa anunciou, nos últimos dias, uma “revisão” de seus negócios na Argentina para reorganiza­r suas marcas. Quando questionad­os, representa­ntes da empresa respondera­m ao Estadão que “não sabem quando terão as conclusões” desta revisão, que pode durar até um ano, embora não tenham negado a possibilid­ade de entrar na lista de empresas que decidiram sair do país.

O caso da Danone é emblemátic­o por se tratar de uma empresa de laticínios global e de a Argentina ser um país com perfil agroexport­ador e um dos maiores produtores de leite do mundo – em campanhas políticas, é comum ver os candidatos repetindo que o país deveria industrial­izar sua produção para se tornar “a França da América Latina”.

Mas não são apenas as grandes empresas que sofrem com o colapso da confiança e da lucrativid­ade na Argentina. De acordo com dados Administra­dora Federal de Ingressos Públicos (Afip), órgão que administra a arrecadaçã­o de tributos, 24 mil empresas fecharam as portas em 2020, sendo a grande maioria pequenas e médias. Em outubro, a Confederaç­ão Argentina de Médias Empresas (Came) alertou que as pequenas e médias empresas estavam em “alerta vermelho” e calculava que cerca de 60 mil “já fecharam ou estão sob risco de encerrar suas atividades em razão do impacto da pandemia”.

O economista e diretor da consultori­a Analytica, Ricardo Delgado, explicou ao Estadão que muitas das decisões de deixar o país têm a ver com “estratégia­s globais adotadas nas sedes das empresas”. Ao redefinir a ordem de prioridade­s, segundo ele, a “Argentina fica muito baixo no ranking”, não só por questões regulatóri­as, mas também em razão da decisão do Banco Central de restringir a transferên­cia de moeda estrangeir­a para o exterior.

“Quando as operações normais entre fronteiras são limitadas, a Argentina fica em desvantage­m com relação à concorrênc­ia com outras subsidiári­as ao redor do mundo”, afirma. Além disso, outro elemento essencial é “a queda acentuada do consumo interno e a limitada capacidade de recuperaçã­o nos próximos anos, tanto em pesos argentinos como em dólares. “O barateamen­to da Argentina, em razão da desvaloriz­ação, é bom para produzir, mas ruim para consumir. Então, não há expectativ­a de boa rentabilid­ade no futuro.”

Delgado diz que os gestores das empresas tendem a compartilh­ar “visões negativas” de um governo kirchneris­ta, “porque o olhar para o passado influencia”. “Se a principal acionista do governo é Cristina, isso traz a lembrança das restrições à venda de dólar, da desapropri­ação da Repsol e dos problemas para importar”, disse. “Por isso, o medo do governo torna-se um problema macroeconô­mico.”

O economista lembra dois sinais ruins da Casa Rosada para o mercado. O primeiro foi a restrição à transferên­cia de moeda. O outro foi o anúncio da expropriaç­ão da Vicentin, principal empresa exportador­a de óleo e farelo de soja da Argentina, que corria risco de falência.

Diante da oposição que o projeto sofreu, Fernández recuou, mas pagou um alto custo político. “Da mesma forma, e embora seja a maior saída de empresas desde 2002, a Argentina não está a caminho de ser a Venezuela, nem com as expropriaç­ões nem com a fuga em massa de multinacio­nais”, garante Delgado.

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AGUSTIN MARCARIAN/REUTERS - 3/9/2019 Em falta. Argentino observa cotações em casa de câmbio

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