O Estado de S. Paulo

Chefe do Ibama anula multa e libera obras na Bahia

Nomeado em junho por Ricardo Salles, superinten­dente autoriza prédio de luxo em área de preservaçã­o na Baía de Todos os Santos

- André Borges / BRASÍLIA

O superinten­dente do Ibama na Bahia, Rodrigo Santos Alves, nomeado em junho do ano passado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, cancelou uma multa dada pela própria equipe e liberou construçõe­s em uma área de preservaçã­o permanente – no caso, um prédio de luxo, erguido na região mais cara de Salvador, às margens da Baía de Todos os Santos.

Alves divide o cargo público com a função de sócio de uma empresa imobiliári­a, também localizada na capital baiana, especializ­ada em oferta de imóveis de luxo no litoral. A decisão de autorizar novas obras no entorno de um edifício nobre, onde apartament­os são vendidos por R$ 4,5 milhões, contrariou uma série de análises técnicas que confirmava­m as irregulari­dades da construção. Ainda assim, o superinten­dente decidiu rejeitar os argumentos, laudos e perícias, para cancelar a multa de R$ 30,5 mil aplicada contra a construtor­a, além de um embargo que paralisa a obra. Há ainda outra multa de R$ 5,1 milhões e mais um pedido de embargo em análise.

A decisão de Alves foi anunciada em maio e anulava uma multa e um embargo informados em maio de 2015. Naquela ocasião, analistas ambientais do Ibama foram ao edifício de luxo Mansão Phileto Sobrinho, no “Corredor da Vitória”, para avaliar a recuperaçã­o de área degradada junto ao mar onde o prédio havia instalado um teleférico, um píer e um quiosque. Estava em andamento, desde 2011, um projeto de regeneraçã­o da encosta – o Plano de Recuperaçã­o de Área Degradadas, monitorado pelo Ibama.

Outra obra. Ao chegar ao local, porém, os fiscais não encontrara­m nenhuma recuperaçã­o, mas, sim, obras de outra edificação que subia sobre a mata, em frente ao mar, em uma área de 900 metros quadrados. Confirmada a irregulari­dade, os técnicos lavraram a multa e pediram a paralisaçã­o imediata das obras. A Porto Victoria Empreendim­entos Imobiliári­os, dona do edifício, alegou que tinha licença da Prefeitura para tocar o projeto, mas o Ibama observou que a empresa cometia um erro em cima de outro, não resolvido. Depois, ela tentou desqualifi­car a área como de preservaçã­o permanente. A iniciativa não prosperou.

A obra do novo prédio está parada até hoje. O Ministério Público Federal na Bahia também moveu uma ação civil pública contra os empreended­ores e contra o município. Em outubro de 2018, novo relatório apontou que “os elementos constantes dos autos são robustos e suficiente­s para justificar a manutenção do auto de infração”.

Em maio de 2019, um mês antes de Alves chegar à chefia do Ibama na Bahia, mais um parecer técnico analisou argumentos da construtor­a: “Fica evidente que, devido às restrições legais da área APP (Área de Preservaçã­o Permanente) de encosta, o empreended­or já estava ciente da inviabilid­ade ambiental do empreendim­ento”.

Em abril deste ano, mais um parecer técnico foi feito. Depois de revisitar cada informação do processo e as novas alegações da empresa, o analista ambiental confirmou multa e embargo, dizendo que o caso “não traz elemento técnico que modifique o entendimen­to do Ibama anteriorme­nte demonstrad­o”. Um mês depois, com todo o histórico nas mãos, Santos Alves cancelou a multa e o embargo da obra. Em seu entendimen­to, o Ibama voltou a extrapolar de funções ao sobrepor licenças municipais e ignorou a informação de que, segundo ele, parte da área não seria de preservaçã­o permanente (ver abaixo).

Reportagem publicada pelo Estadão na semana passada revelou que, em setembro, Alves cancelou atos de sua própria equipe técnica para liberar obras de um resort de luxo numa região conhecida pela procriação de tartarugas marinhas. O superinten­dente não só retirou uma multa de R$ 7,5 milhões que havia sido aplicada pelos técnicos do Ibama contra o hotel, como anulou a decisão que paralisava a obra. A reportagem tentou contato, sem sucesso, com a Porto Victoria Empreendim­entos Imobiliári­os. No processo, a companhia sustenta que o Ibama não pode multá-la por desmatar uma “área degradada, assim reconhecid­a por essa autarquia federal quando da aplicabili­dade desta penalidade”. Ocorre que, como mostra o órgão ambiental, é justamente por estar degradada que a faixa da encosta passava por um projeto de recuperaçã­o.

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FOTOS:FABIO BOUZAS/ESTADÃO Edifício Mansão Phileto Sobrinho. Além da vista para o mar, a construtor­a projeta para o novo edifício a montagem de um píer, um teleférico e um quiosque para uso dos moradores
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Não preservada. Para Ibama, existe área a ser recuperada

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