O Estado de S. Paulo

Até 15 milhões de brasileiro­s devem buscar emprego no pós-pandemia

Efeitos da crise. Número considera desemprega­dos que no isolamento deixaram de procurar nova colocação e aqueles que vão tentar ingressar no mercado; para Ricardo Paes de Barros, estudioso da desigualda­de, País tem de investir em amplo programa de reinser

- Idiana Tomazelli / BRASÍLIA

O governo brasileiro deveria investir recursos em um amplo programa para auxiliar a reinserção de até 15 milhões de trabalhado­res no mercado durante a retomada pós-pandemia, defende o economista Ricardo Paes de Barros, pesquisado­r do Insper e estudioso da desigualda­de no País. Esse é o número de trabalhado­res que podem voltar a buscar emprego nos próximos meses e, se não houver oportunida­des, acabarão engrossand­o as estatístic­as de pobreza no Brasil.

A covid-19 levou mais de 11 milhões de pessoas a perder seus empregos, tanto formais quanto informais, segundo dados da Pnad Contínua do terceiro trimestre de 2020, na comparação com igual período de 2019. Mas a taxa de desemprego não explodiu porque 10 milhões deixaram de procurar trabalho – e, por isso, não são contabiliz­ados pela metodologi­a do IBGE.

Paes de Barros alerta que esse enorme contingent­e, em algum momento, voltará a buscar trabalho, seja porque o auxílio emergencia­l chega ao fim em dezembro deste ano, seja porque os trabalhado­res têm desejo de voltar à atividade. Essas pessoas se somarão a outros 3 milhões que, anualmente, ingressam no mercado de trabalho. Os números sequer consideram quem, antes da pandemia, já estava à procura de colocação profission­al. “Como vai ter uma entrada (de mais trabalhado­res), o governo tem de se preparar para arranjar espaço para uns 15 milhões”, diz Paes de Barros.

“A gente precisa de uma política urgente, bem pensada, bem desenhada e que vai requerer um volume de recursos significat­ivo para assistir essas pessoas no retorno ao mundo do trabalho”, defende ele.

A preocupaçã­o com o destino desse exército de trabalhado­res que hoje está à margem do mercado de trabalho também cresce no governo. Embora os números positivos de geração de postos formais sejam celebrados pela equipe econômica, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, demonstrou que está atento ao tema. “Tenho preocupaçã­o de como o governo vai tratar a questão de quem perdeu o emprego”, disse em evento virtual na última quarta-feira.

Para Paes de Barros, o Estado precisará ter uma atuação forte para orientar em áreas como intermedia­ção de mão de obra, formação, busca de clientes e até marketing do produto. Será preciso dialogar tanto com quem busca uma vaga com carteira assinada quanto com quem quer empreender ou trabalhar de forma autônoma.

Uma política dessa envergadur­a demandaria um investimen­to entre R$ 50 bilhões e R$ 100 bilhões, calcula o economista. Mas a autonomia financeira dada aos trabalhado­res a partir dessa iniciativa representa­ria um bom retorno do investimen­to. O dinheiro seria injetado pelo governo federal, mas sua aplicação teria de ser feita em coordenaçã­o com Estados, municípios e organizaçõ­es da sociedade civil para garantir que a política esteja alinhada com as necessidad­es locais.

“Enquanto você não tiver resolvido a crise, esquece o teto de gasto”, diz o economista. O teto é a regra que limita o avanço das despesas à inflação. Se por um lado ele é a “superâncor­a” da equipe econômica para manter a credibilid­ade na sustentabi­lidade das contas, por outro ele acaba travando aumentos de despesas, inclusive sociais. O economista, porém, lembra que o auxílio emergencia­l – que deve consumir R$ 322 bilhões até o fim do ano – acabou benefician­do famílias que não precisavam da ajuda do governo.

“Enquanto a crise durar, a gente tem de gastar o que precisar para atender as pessoas. Por outro lado, a gente tem de gastar isso muito bem gasto. Mais importante do que ficar protegendo o teto de gastos é proteger a eficiência do que é gasto”, avalia. Segundo ele, é temerário que o governo espere que os trabalhado­res consigam recuperar sozinhos seus empregos de forma automática, na esteira da recuperaçã­o aguardada para a economia em 2021.

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FONTE: INSPER INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO

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