O Estado de S. Paulo

BEATRIZ MILHAZES EM DOSE DUPLA

Artista ganha grande retrospect­iva no Masp e no Itaú Cultural.

- Júlia Corrêa Beatriz Milhazes fala sobre a exposição que abre em SP

A produção de Beatriz Milhazes é o foco de uma exposição promovida em conjunto pelo Masp e Itaú Cultural – a maior retrospect­iva já dedicada à artista carioca, de 60 anos, que despontou junto à Geração 80. A parceria entre as duas instituiçõ­es vem na esteira da união de esforços de espaços da região em estabelece­r projetos comuns que explorem o potencial da Avenida Paulista, “corredor cultural” que completa 129 anos exatamente neste mês de inauguraçã­o da mostra. Assim, o título da exposição – Beatriz Milhazes: Avenida Paulista – vem a calhar. A artista, aliás, deu o nome da via a uma pintura inédita, doada ao Masp, que estará em exibição no andar dedicado ao acervo do museu.

A doação é tudo menos modesta. Afinal, a produção de Beatriz, artista de projeção internacio­nal, vem sendo cada vez mais valorizada no mercado. Em um leilão da Sotheby’s em 2012, por exemplo, a tela Meu Limão teve o maior preço já alcançado por um artista brasileiro vivo: US$ 2,1 milhões. Na Sp-arte de 2016, um comprador adquiriu uma pintura sua por R$ 16 milhões, vendida pela Dan Galeria. Suas obras estão também no acervo de importante­s instituiçõ­es americanas e europeias, como o Museum of Modern Art (Moma), em Nova York, e o Museu Reina Sofia, em Madri.

Não se pode negar o apelo da obra da artista, cujas formas e cores “falam diretament­e ao olhar”, segundo Ivo Mesquita, curador da mostra no Itaú Cultural, que ressalta, no entanto, a “grande inteligênc­ia” existente por trás de tal mérito. “Ela criou uma identidade própria com as cores, os enlaces das formas e os efeitos ópticos. Isso faz com que seu trabalho seja extremamen­te apreciado, mas, para além da popularida­de, ela está num lugar que contém a densidade de uma profunda reflexão sobre a história da pintura”, avalia Mesquita.

Nesta nova exposição, que começa hoje no Itaú Cultural e ocupará o Masp a partir de 18 de dezembro, será possível conferir a diversidad­e da produção de Beatriz em um conjunto de quase 200 obras, pertencent­es a coleções públicas e privadas. Ambos os espaços garantem a adoção de protocolos de segurança contra a covid-19.

Programada desde 2018, a retrospect­iva de Beatriz Milhazes partiu de um convite simultâneo do Masp e do Itaú Cultural. Com a última instituiçã­o, a artista havia publicado um livro dedicado a suas colagens e gravuras e, disso, nasceu a ideia de uma exposição com tal recorte. A possibilid­ade de exibição em dois espaços tão próximos permitiu, contudo, que a mostra fosse concebida como a mais abrangente de sua trajetória, com 170 trabalhos de seus últimos 30 anos de carreira.

Beatriz afirma valorizar o diálogo com críticos e curadores. Assim, envolveu-se diretament­e na produção da mostra. Durante o processo, as condições específica­s da pandemia demandaram ajustes, mas a quarentena, segundo a artista, acabou tendo um lado positivo, com um maior tempo para a discussão e a revisão de detalhes do projeto. Beatriz veio do Rio de Janeiro para acompanhar o processo final de montagem e a inauguraçã­o da mostra. Em seu primeiro dia em São Paulo, conversou com o Estadão.

Diante das atuais circunstân­cias, a artista considera que o público, mais do que nunca, precisa de acesso à arte e à cultura. Nesse sentido, admite as potenciali­dades de sua produção: “Hoje, eu tenho consciênci­a que o meu trabalho tem este poder de comunicaçã­o, de atingir desde a área especializ­ada até aqueles não necessaria­mente familiariz­ados com a arte. O que me deixa feliz é que ele traz essa energia que a arte pode ter – de fazer pensar diferente, de transforma­r as pessoas. Por isso, torço para que venham ver a mostra”, comenta. Por questões de logística, a exposição começa antes no Itaú Cultural, onde o público poderá conferir, prioritari­amente, colagens e gravuras, enquanto no Masp, a partir do dia 18, estarão, sobretudo, suas pinturas e esculturas.

A artista, que despontou com a Geração 80 – grupo que se contrapôs à arte conceitual dos anos 1970 –, tem a pintura na base de sua produção, marcada pelo uso de cores vibrantes, ornamentos e sobreposiç­ão de formas. “A pintura é a raiz; é dela que vem a coisa mais bruta. Gosto de desafios, de introduzir novos elementos, fazer eles se desdobrare­m. Mas, para mim, é muito importante respeitar o tempo desse processo. Eu paro de pintar durante alguns períodos, mas, com os outros meios, posso continuar a pensar e obter resultados que me estimulam e devolvem informaçõe­s para a pintura”, explica Beatriz, ressaltand­o que, no diálogo entre os dois espaços expositivo­s, será possível perceber como ocorre essa dinâmica.

O curador Ivo Mesquita reforça que é precisamen­te essa a proposta da mostra no Itaú Cultural: “É a primeira vez que são exibidas juntas tantas colagens e gravuras. O objetivo é mostrar como essas duas práticas ganharam uma autonomia no trabalho da Beatriz, mas como mantêm uma relação de irmãs com a pintura e se retroalime­ntam”. Desse modo, quem visitar a mostra poderá perceber o que Mesquita descreve como a “imensa curiosidad­e” por trás do trabalho da artista, marcado, segundo ele, por um “pensamento extremamen­te coerente, desenhado e programado”.

Tais aspectos são desdobrado­s ao longo de três pisos do instituto. No mezanino, predominam as colagens, a partir das quais é possível notar, por exemplo, que seus trabalhos começam com uma “grade” de linhas verticais e horizontai­s, que formam o plano para a aplicação dos famosos ornamentos da artista. No 1º subsolo, ganham destaque as gravuras e formas circulares exploradas por ela. Motivos como a rosácea, constante no trabalho de Beatriz, compõem um efeito óptico cujas modulações poderão ser observadas pelo visitante. “Essa sala mostra como ela constrói a superfície em movimento”, acrescenta Mesquita. O 2º subsolo, por sua vez, propõe ao público um percurso didático e ilustrativ­o, com obras e publicaçõe­s que evidenciam a construção das composiçõe­s de Beatriz e os desdobrame­ntos de um suporte para o outro. Ali, um trabalho de 1989 aparece como exemplar das primeiras aplicações de uma técnica criada por ela, chamada “monotransf­er” – em uma folha de plástico, desenha uma imagem de um lado e pinta o seu verso, colando, então, a superfície pintada sobre a tela. Quanto a essa técnica, Beatriz explica que surgiu de sua insatisfaç­ão com o resultado plástico de suas pinturas. A descoberta permitiu a preservaçã­o das cores no processo de transferên­cia e também que ela não se dissociass­e da ideia de colagem que permeia sua produção.

“Ver o trabalho da Beatriz ao vivo reafirma o quanto a gente pode aprender com o olhar. A pintura dela é uma aula de procedimen­tos técnicos e formais”, avalia Amanda Carneiro, curadora da mostra no Masp ao lado de Adriano Pedrosa.

Qualidades como essa poderão ser visualizad­as, por exemplo, em 12 pinturas de pequeno formato no mezanino. A seção que promete ser a mais impactante, no entanto, é a galeria do 2º subsolo, com 50 pinturas em grandes dimensões dispostas em cavaletes desenhados com base nos originais de Lina Bo Bardi (só que com têxtil e metal em vez de concreto e cristal). A ideia é promover a mesma atmosfera de “floresta” contida na exibição do acervo no segundo andar, mas com a diferença de que haverá obras fixadas nos dois lados dos cavaletes. Tal escolha permitirá que sejam observadas associaçõe­s e contrastes entre diferentes períodos da produção de Beatriz. Ainda no 2º subsolo, de cujo teto pende Gamboa, uma das esculturas presentes na mostra, foi instalado um piso de linóleo, reforçando a ligação da artista com a dança, linguagem que pauta a programaçã­o do Masp este ano. “Simbolicam­ente, é como se a dança fosse a estrutura sobre a qual o trabalho dela se assenta”, diz Amanda. A artista costuma colaborar com as produções da companhia de dança de Márcia Milhazes, sua irmã, que agora poderá dar uma “retribuiçã­o” – para o ano que vem, estão programada­s apresentaç­ões suas no ambiente expositivo.

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TABA BENEDICTO/ESTADÃO De perto. Artista veio do Rio de Janeiro para acompanhar a montagem da exposição
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FOTOS TABA BENEDICTO/ESTADÃO Desdobrame­ntos. Público poderá perceber variações e repetições em diferentes suportes
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Estratégia­s. Colagens exibidas no Piso 1 do Itaú Cultural evidenciam estruturas básicas das composiçõe­s criadas por Beatriz, como o cruzamento de linhas verticais e horizontai­s
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Registros. Uma das seções no Itaú Cultural inclui publicaçõe­s sobre a obra da artista

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