O Estado de S. Paulo

O cerco regulatóri­o às gigantes digitais

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Ahistória possivelme­nte registrará o ano de 2020 como o melhor e o pior para as gigantes tecnológic­as. Na mesma proporção em que as ruas foram esvaziadas pelo vírus, o mundo virtual se expandiu. Ao mesmo tempo, os governos intensific­aram sua ofensiva regulatóri­a contra aquelas empresas.

Só no último trimestre a Comissão de Justiça da Câmara dos EUA acusou as big techs de manobras monopolíst­icas e abusos só comparávei­s aos dos barões do petróleo; o Departamen­to de Justiça moveu uma ação antitruste contra o Google; e a Comissão Europeia acusou a Amazon de utilizar dados privados de vendedores para competir contra eles.

O último golpe foi contra o Facebook: uma ação antitruste protocolad­a no dia 9 pela procurador­ia de Nova York, à frente de uma coalizão bipartidár­ia formada por 45 Estados. Paralelame­nte, a Comissão Federal de Comércio processou o Facebook por práticas monopolist­as, pedindo o seu desmembram­ento.

“Nenhuma empresa deveria ter tanto poder sem controle sobre nossos dados pessoais e interações sociais”, disparou a procurador­a de Nova York Letitia James. “Estamos enviando uma mensagem clara e forte ao Facebook e a todas as empresas, de que seu esforço por sufocar a concorrênc­ia, prejudicar pequenos negócios, reduzir a inovação e a criativida­de ou mutilar proteções à privacidad­e enfrentará toda a força de nossas instituiçõ­es.”

A alegação é de que a aquisição de concorrent­es como o Instagram e o Whatsapp pelo Facebook reduziu as escolhas dos consumidor­es. Essa mesma alegação expõe as fragilidad­es dos atuais quadros regulatóri­os. As leis antitruste focam tradiciona­lmente nos preços aos consumidor­es. Mas as big techs oferecem produtos gratuitos, sendo recompensa­das não com o dinheiro dos usuários, mas com seus dados.

Na verdade – além da eventual quebra de privacidad­e –, o prejuízo aos consumidor­es é indireto. O verdadeiro efeito do controle do mercado das redes sociais (Facebook) ou dos mecanismos de busca (Google) ou das vendas digitais (Amazon) é a monopoliza­ção dos canais de anúncios e vendas. Presumivel­mente, as empresas têm de pagar mais do que pagariam em um mercado aberto para levar seus produtos aos consumidor­es, repassando a eles os custos. Colateralm­ente, os monopólios inibiriam a inovação.

Mas ações legais post hoc, além de comportare­m o potencial de criar inseguranç­a jurídica – afinal, aquisições como as do Facebook foram aprovadas pelas agências reguladora­s –, são lentas e limitadas. Casos como este manifestam a urgência de novas regulações concorrenc­iais e instâncias reguladora­s.

“Gigantes digitais como Google e Facebook dominam a internet em parte porque desenvolve­ram excelentes produtos. Mas também são gigantes porque tornam mais difícil para outras empresas entrar no mercado e competir”, disse em artigo no Wall Street Journal o ex-consultor econômico da Casa Branca Jason Furman. “O desafio para os gestores públicos é preservar aquilo que há de bom nas gigantes digitais e mover a economia digital rumo à promessa do capitalism­o, no qual a concorrênc­ia sustenta inovações vibrantes e benefícios aos consumidor­es.”

Nesse sentido, a Comissão Europeia está finalizand­o uma lista de atividades ilegais, de modo a poupar tortuosos processos probatório­s para demonstrar danos aos consumidor­es. Mais consolidad­o é o código de conduta proposto pela Autoridade para Competição e Mercados britânica ao governo, que visa a atingir três objetivos: “Comércio equitativo, escolhas livres e confiança e transparên­cia”. O código valerá para as grandes empresas, deixando às menores liberdade de inovação. A fiscalizaç­ão ficará a cargo de uma Unidade de Mercados Digitais independen­te.

Ainda há muitas incertezas sobre as ações antitruste contra as big techs, e os regulament­os europeu e britânico terão de passar pelo escrutínio legislativ­o. Mas tais movimentos são um sinal de que o ano de 2020 pode ter sido o melhor para as big techs, mas não precisa ser o pior: pode ser apenas o ano em que seus elementos mais destrutivo­s começaram a ser desmantela­dos.

2020 pode ser o ano em que seus elementos mais destrutivo­s começaram a ser desmantela­dos

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