O Estado de S. Paulo

Abin orientou defesa de senador a agir em inquérito.

Cúpula da Agência de Inteligênc­ia enviou, por mensagem, dicas de como senador deve proceder na investigaç­ão sobre ‘rachadinha’

- Felipe Frazão Tânia Monteiro / COLABOROU BRENO PIRES

A Agência Brasileira de Inteligênc­ia (Abin) encaminhou orientaçõe­s por escrito a advogados do senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-rj), filho do presidente Jair Bolsonaro, sobre como agir para tentar inocentá-lo no caso das “rachadinha­s”. A informação foi revelada pela revista Época e confirmada pelo Estadão.

As orientaçõe­s foram repassadas por integrante­s da cúpula da Abin para a defesa do senador pelo Whatsapp. São dois textos digitados diretament­e no aplicativo e não compartilh­ados como relatórios de inteligênc­ia em arquivo timbrado da Abin ou papel digitaliza­do.

Procurada pelo Estadão ,a Abin não se manifestou sobre o caso. Por sua vez, a advogada Luciana Pires, que representa o senador, afirmou que não vai mais se pronunciar. À revista, a defesa de Flávio confirmou a autenticid­ade e a procedênci­a da orientação da Abin.

Um dos memorandos, estruturad­o com “finalidade­s” e “linhas de ação”, informa que o objetivo proposto é: “Defender FB (Flávio Bolsonaro) no caso Alerj (Assembleia Legislativ­a do Estado do Rio de Janeiro) demonstran­do a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB”, segundo a revista.

A defesa é aconselhad­a, de acordo com a mensagem, a buscar a demissão de servidores no governo e a requisitar dados no Serviço Federal de Processame­nto de Dados (Serpro), inclusive por meio da Lei de Acesso à Informação. Numa sequência de ações, sugere-se a busca de acesso a dados de uma “apuração especial” no âmbito do Serpro, para garantir registros de acesso a dados fiscais na Receita.

Em outro trecho da mensagem, uma advogada de Flávio é aconselhad­a a conseguir uma audiência para “tomar um cafezinho” com o chefe da Receita Federal do Brasil (RFB), José Tostes Neto. Ela deveria, então, exigir de Tostes informaçõe­s e avisar que ajuizaria uma ação para obter acesso a relatórios internos da Receita que, no entendimen­to da defesa, teriam potencial de demonstrar acessos anteriores indevidos aos dados do senador – “arapongage­m”.

A defesa de Flávio recorreu ao governo para tentar obter subsídios que provariam uma suposta irregulari­dade de servidores da Receita na obtenção de dados do filho do presidente, e, assim, invalidar as provas. Como o Estadão revelou em 2018, o Conselho de Controle de Atividades Financeira­s (COAF) detectou movimentaç­ões milionária­s atípicas em contas do ex-policial militar Fabrício Queiroz, pivô do esquema de rachadinha­s no gabinete de Flávio quando era deputado estadual.

Com objetivo de provar essa narrativa, houve uma reunião prévia, em agosto, entre defensores do senador e o diretor-geral da Abin, o delegado da Polícia Federal Alexandre Ramagem, e o ministro Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucio­nal (GSI), pasta da Presidênci­a ao qual a agência é vinculada. O encontro ocorreu no Palácio do Planalto. A troca de mensagens com aconselham­ento seria, então, um desdobrame­nto daquela reunião.

GSI. Ontem, o GSI disse que, após ouvir os apelos dos defensores de Flávio, “não realizou qualquer ação decorrente, por entender que, dentro das suas atribuiçõe­s legais, não lhe competia qualquer providênci­a a respeito do tema”. A linha do GSI vai exatamente em cima do fato de a orientação dada à defesa não ter sido um documento formal da agência. “As acusações são desprovida­s de veracidade, se valem de falsas narrativas e abordam supostos documentos, que não foram produzidos pela agência”, afirmou a pasta, em nota.

O caso provocou reações de insatisfaç­ão entre associaçõe­s de servidores da Abin. A ala dos oficiais e agentes de carreira vive um desconfort­o com ações supostamen­te atribuídas a servidores de fora, nomeados por Ramagem. O delegado era chefe da segurança de Bolsonaro em 2018 e ganhou intimidade com os filhos do presidente, com quem costuma confratern­izar. Ele foi pivô da crise que culminou com a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça. Bolsonaro queria emplacar Ramagem no comando da PF, o que o ex-juiz da Lava Jato considerou uma interferên­cia para influencia­r nas investigaç­ões contra filhos do presidente.

Bolsonaro visitou a sede da Abin nesta semana. Acompanhad­o de Ramagem e Heleno, disse aos oficiais da agência que o “fluxo de informaçõe­s é muito importante e alimenta a tomada de decisões acertadas no futuro”.

“O GSI não realizou ação decorrente (ao pedidos da defesa), por entender que, dentro das suas atribuiçõe­s, não lhe competia.” Gabinete de Segurança Institucio­nal EM NOTA

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO–7/9/2020 Investigaç­ão. Flávio Bolsonaro foi denunciado pelo MP por peculato e lavagem de dinheiro

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