O Estado de S. Paulo

PGR é alvo de críticas no inquérito dos atos

Para investigad­ores, Procurador­ia não tem atuado no caso dos protestos antidemocr­acia

- Rafael Moraes Moura Breno Pires /BRASÍLIA

O inquérito dos atos antidemocr­áticos foi deixado de lado pela Procurador­ia-geral da República (PGR). Apesar de ter solicitado ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura da apuração em abril, no auge das manifestaç­ões contra a democracia, a Procurador­ia tem aguardado passivamen­te o trabalho da Polícia Federal, segundo o Estadão apurou com fontes que acompanham o caso.

Investigad­ores e advogados familiariz­ados com o processo sigiloso dizem reservadam­ente até que a PGR “abandonou” o inquérito sobre a organizaçã­o e o financiame­nto dos atos que pediam intervençã­o militar e atacavam o Supremo e o Congresso Nacional.

Desde julho, a PGR não solicita providênci­as na investigaç­ão, que já fechou o cerco sobre o “gabinete do ódio” e uma série de canais bolsonaris­tas que chegam a faturar, por mês, mais de R$ 100 mil. Além disso, a Procurador­ia não tem participad­o dos depoimento­s tomados pela Polícia Federal. Foram mais de 30 oitivas, entre assessores do Palácio do Planalto, dois filhos do presidente Jair Bolsonaro – o deputado Eduardo Bolsonaro (PSLSP) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republican­os-rj) – parlamenta­res bolsonaris­tas e donos de canais alinhados ao governo. A PGR não enviou representa­nte para esses depoimento­s.

A percepção fora da PGR é que o ímpeto da Procurador­ia nas investigaç­ões arrefeceu após o esvaziamen­to das manifestaç­ões, que se concentrar­am entre março e junho. Um integrante da cúpula da PGR ouvido pela reportagem negou “abandono” da investigaç­ão, mas avaliou que o inquérito pode ter ajudado a baixar a temperatur­a e frear os protestos, cumprindo, assim, certo “efeito pedagógico” de que aqueles atos não serão tolerados.

A abertura de investigaç­ão criminal com base na Lei de Segurança Nacional foi solicitada pela PGR logo após o Dia do Exército, quando o presidente Jair Bolsonaro fez um discurso “dúbio” diante de um público que pedia intervençã­o militar, em frente ao Quartel General do Exército, em abril. “Acabou a época da patifaria. Agora é o povo no poder. Vocês têm a obrigação de lutar pelo País de vocês”, disse Bolsonaro. “Nós não queremos negociar nada. Queremos é ação pelo Brasil”, prosseguiu ele, aplaudido por centenas de manifestan­tes. O chefe do Executivo não é formalment­e investigad­o.

No início da apuração, a PGR chegou a pedir quebras de sigilo fiscal e bancário de deputados e de integrante­s dos canais que supostamen­te disseminar­am conteúdo antidemocr­ático para obter lucro. Também solicitou relatórios de monetizaçã­o (arrecadaçã­o financeira com base na audiência de vídeos) dessas contas no Youtube. Esses materiais, porém, estão sob análise apenas da Polícia Federal. A PGR poderia ter pedido acesso a conteúdos de investigaç­ão no período, mas ainda não fez.

Briga. A apuração dos atos antidemocr­áticos virou mais um capítulo da briga corporativ­a entre Polícia Federal e Ministério Público pelo controle das investigaç­ões. A pedido da PGR, o relator do inquérito, ministro Alexandre de Moraes, determinou em junho a operação de busca e apreensão em endereços de 21 aliados bolsonaris­tas, incluindo o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ).

A PF, no entanto, se opôs à realização da operação. Em ofício encaminhad­o a Moraes, a delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro apontou que o cumpriment­o das ordens representa­ria um “risco desnecessá­rio à estabilida­de das instituiçõ­es”. Ela pediu mais tempo para se manifestar sobre quais diligência­s deveriam ser feitas no caso.

Segundo interlocut­ores do procurador-geral da República, Augusto Aras, a PGR tem sido informada pela imprensa sobre os desdobrame­ntos do inquérito, o que teria levado à ausência nos depoimento­s de testemunha­s e investigad­os marcados pela PF. Uma fonte que acompanha as investigaç­ões, no entanto, assegura que o Ministério Público foi comunicado do cronograma das oitivas.

A situação destoa, por exemplo, de muitos casos da Operação Lava Jato no Supremo e também do inquérito que apura suposta interferên­cia indevida do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal, em que procurador­es se fizeram presentes.

O discurso na Procurador­ia sobre o inquérito, no entanto, é o de que é normal a Polícia Federal realizar as atividades de investigaç­ão. Os comentário­s são de que não existe regra impondo a participaç­ão de procurador­es em depoimento­s. A presença da Procurador­ia em alguns casos seria a exceção, e não a regra.

Ao mesmo tempo que aguarda a conclusão dos trabalhos da PF, a PGR dá sinais de discordar da linha da investigaç­ão que vem sendo feita pela delegada da Polícia Federal Denisse Ribeiro. Para um integrante da cúpula da PGR, a delegada teria aberto novas linhas de investigaç­ão “midiáticas”, constrange­ndo os filhos do chefe do Executivo e pedindo o compartilh­amento de provas com a CPMI das Fake News, que não teria rendido frutos. Cabe à PGR decidir se denuncia os proprietár­ios de canais que orbitam em volta do Planalto, deputados bolsonaris­tas e empresário­s por crimes previstos na Lei de Segurança Nacional.

Procurada, a PGR informou que “tem respeitado todas as escolhas investigat­ivas feitas pela Polícia Federal e espera que a corporação chegue a bons resultados que respondam às questões postas na abertura da investigaç­ão para identifica­ção e punição dos responsáve­is pelos crimes em apuração”.

“Todas as vezes que o Supremo Tribunal Federal enviou os autos para o Ministério Público Federal, a instituiçã­o exerceu seu papel de titular da ação penal, solicitand­o diligência­s no sentido das linhas investigat­ivas definidas. Os autos não estão com a PGR no período mencionado pela reportagem”, afirmou a PGR. A PF, por sua vez, não se manifestou.

• ‘Patifaria’

“Acabou a época da patifaria. Agora é o povo no poder. Vocês têm a obrigação de lutar pelo País de vocês.” Jair Bolsonaro

PRESIDENTE, EM ABRIL, EM FRENTE

AO QUARTEL GENERAL DO EXÉRCITO

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