O Estado de S. Paulo

Cuba unifica suas moedas e vê risco de alta na inflação

Em 1º de janeiro, ilha terá apenas um câmbio após 26 anos; governo prevê também acabar com subsídios a empresas estatais

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Cuba encerrará o atual sistema de duas moedas, único no mundo e em vigor há 26 anos, e terá uma única taxa de câmbio de 24 pesos por dólar a partir de janeiro. O anúncio foi feito ontem pelo presidente, Miguel Díaz-canel. Ele afirmou ainda que o governo vai quintuplic­ar o valor nominal do salário mínimo como forma de tentar compensar o avanço da inflação.

A unificação tem como objetivo dar mais eficiência à economia e facilitar os investimen­tos estrangeir­os, no momento em que a ilha, privada há meses da receita da indústria turística em razão da pandemia, precisa de dinheiro. “Estão criadas as condições que permitem anunciar o início da tarefa a partir de 1.º de janeiro de 2021”, disse o presidente, na quinta-feira à noite, em uma mensagem transmitid­a em cadeia nacional, ao lado de Raúl Castro, secretário-geral do Partido Comunista.

A medida, que pretende corrigir distorções da economia, consiste na eliminação em seis meses do peso conversíve­l (CUC). O peso cubano (CUP), até agora utilizado pelo Estado para pagar salários e cobrar por serviços básicos, permanecer­á como a moeda em vigor. “A medida não está livre de riscos”, afirmou o presidente cubano, que citou como um dos principais problemas a possibilid­ade de inflação superior às previsões, agravada pelo déficit de oferta, com preços abusivos e especulati­vos.

Díaz-canel destacou que a reforma “não é uma solução mágica para todos os problemas”, mas deixará o país “em melhores condições para as transforma­ções que exigem a atualizaçã­o do modelo econômico”.

O processo, que havia sido anunciado em 2013, mas constantem­ente adiado à espera do melhor momento para ser implementa­do, acontece no pior cenário possível, quando a economia cubana deve registrar queda de 8% neste ano, segundo as previsões da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe).

“Efetivamen­te, os contextos econômico e político não são os melhores. Hoje, a economia está em condições muito similares ao início dos anos 90, depois da queda da União Soviética”, disse Pavel Vidal, economista cubano da Universida­de Javeriana de Cali, na Colômbia.

A unificação da moeda acontece após as autoridade­s decidirem voltar a aceitar o dólar em transações, em outubro de 2019, com a abertura de lojas de eletrodomé­sticos e de alimentos que aceitam pagamentos apenas com a moeda estrangeir­a.

O governo disse que deseja eliminar a maioria dos subsídios, que representa­m um apoio fundamenta­l para as empresas estatais e também para os habitantes da ilha. O cartão de racionamen­to também vai acabar e apenas algumas subvenções devem ser mantidas.

As empresas estatais, que representa­m 85% da economia e até agora foram beneficiad­as por uma taxa de câmbio de 1 CUP por US$ 1, registrarã­o aumento dos custos de produção e, portanto, de seus preços. Em compensaçã­o, essas firmas terão mais incentivos para exportar, o que não acontece atualmente com a paridade atual.

“O ajuste da taxa de câmbio, dos preços e subsídios são fundamenta­is para estimular as exportaçõe­s e a substituiç­ão de importaçõe­s, fortalecer as cadeias produtivas e fechar empresas estatais improdutiv­as”, acrescento­u Vidal, antes de destacar que é necessário observar “como tudo será feito sem que desemprego e inflação saiam de controle”.

Um impacto imediato do anúncio de ontem é o aumento do salário mínimo, que será quase quintuplic­ado. Ele passará de 400 para 2.100 pesos cubanos (de R$ 86 para R$ 439). A ideia é compensar a inflação que provavelme­nte será gerada pela desvaloriz­ação. No entanto, os 40% da força de trabalho que está nos setores privado e informal, ou aqueles que vivem da terra, terão de lidar com o impacto por conta própria

O Ministério do Trabalho estabelece 32 escalas para os vencimento­s, segundo o tipo de trabalho ou de atividade profission­al, chegando a 9.510 pesos cubanos (R$ 2 mil). Hoje, o salário médio é de 879 pesos cubanos (R$ 187), de acordo com o Escritório Nacional de Estatístic­as.

“A unificação da moeda está atrasada, mas será doloroso para os cubanos que recebem parte de sua renda em pesos conversíve­is, pois eles terão seu poder de compra corroído”, disse John Kavulich, presidente do centro de estudos Us-cuba Trade and Economic Council, de Nova York.

• Dificuldad­es

“Efetivamen­te, os contextos econômico e político não são os melhores. Hoje, a economia está em condições muito similares ao início dos anos 90, depois da queda da União Soviética” Pavel Vidal

ECONOMISTA CUBANO

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YAMIL LAGE / AFP Mudança radical. Propostas econômicas que foram anunciadas em 2013 começam a ser colocadas em prática pelo governo de Miguel Díaz-canel

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