Câmara da Argentina legaliza o aborto e projeto vai ao Senado
Proposta semelhante foi rejeitada em 2018 pelos senadores e votação, prevista para dia 29, deve ter placar apertado
A Câmara dos Deputados da Argentina aprovou ontem um projeto de lei para legalizar o aborto. A proposta, que autoriza a interrupção legal da gravidez até a 14.ª semana de gestação, foi aprovada com 131 votos a favor, 117 contrários e 6 abstenções. Agora, a matéria será encaminhada ao Senado, onde uma votação ainda mais apertada é esperada.
A votação ocorreu após um debate que começou na quinta-feira. Ao longo das discussões, manifestantes a favor e contra a proposta se aglomeraram nas ruas do lado de fora do Congresso.
O projeto foi apresentado pelo presidente Alberto Fernández. Como justificativa, ele diz que a lei seria uma forma de “garantir a todas as mulheres o direito à saúde integral”. “Sou católico, mas tenho de legislar para todos. É um problema de saúde pública muito sério”, declarou Fernández.
Os manifestantes que apoiavam o projeto se reuniram em frente ao Congresso usando lenços verdes para uma vigília noturna, aguardando a votação da matéria. “Acreditamos que as mulheres têm o direito a decidir sobre seu corpo. É importante que o Estado nos proteja. Que os legisladores que votam contra saibam que carregarão em suas mãos o sangue das mulheres que morrem por abortos clandestinos”, disse Melisa Ramos, de 21 anos, diante do Congresso.
Grupos de oposição ao projeto, usando lenços azul-claros, também saíram às ruas para protestar contra a proposta. “Salvem as duas vidas”, gritavam as mulheres. Elas exibiram bonecos que representavam bebês com sangue. “Toda vida conta”, afirmavam os cartazes do grupo, com jovens tão entusiasmadas quanto as do lado verde.
A iniciativa inclui um outro projeto de lei, que deverá ter uma votação separada, para ajudar as mulheres que desejem continuar com a gravidez e enfrentem dificuldades econômicas ou sociais. Atualmente, a lei argentina só permite a interrupção voluntária da gravidez quando há um risco sério para a mãe ou em caso de estupro, mas ativistas dizem que mulheres muitas vezes não recebem cuidados adequados. Essa segunda proposta ajudou no convencimento para a aprovação da primeira.
“O dia 29 de dezembro é a data prevista para a votação no Senado”, declarou à imprensa a senadora governista Norma Durango, líder da Bancada da Mulher, espaço interpartidário criado para promover direitos com perspectiva de gênero. “Desta vez, temos possibilidades de conseguir a sanção no Senado”, disse a parlamentar peronista.
Durante a sessão de ontem, a deputada Ana Carolina Gaillard, também governista, disse que o “debate é sobre aborto seguro ou aborto inseguro”, ao mencionar as mortes provocadas por interrupções clandestinas da gravidez. Segundo autoridades, foram quase 3 mil desde 1983.
Especialistas em saúde calculam que a Argentina registre entre 370 mil e 520 mil abortos clandestinos por ano, com 39 mil internações a cada ano em centros de saúde pública. “O aborto é legal em países de primeiro mundo e outros desenvolvidos e com forte religiosidade, como Itália, Espanha e Irlanda. Agora, avançamos na Argentina. Se isso fosse um problema masculino, teria sido resolvido há muito tempo”, declarou o ministro da Saúde, Ginés González García.
Para o deputado Alfredo Cornejo, no entanto, o debate atual é “oportunista” e o governo tenta com ele esconder os seus problemas de gestão. “Acredito que essa discussão deva ser tratada com uma participação muito mais ampla da sociedade. Isso se dará, do meu ponto de vista, com a realização de uma consulta popular”, disse Cornejo ao jornal La Nación.
O projeto aprovado prevê a objeção de médicos e também da direção do hospital, mas haverá a obrigação de encaminhar a paciente para atendimento em uma outra unidade. Em 2018, durante o governo de Mauricio Macri, uma proposta similar teve a aprovação na Câmara, mas o Senado a rejeitou por 38 contrários e 31 favoráveis, com duas abstenções.
• Iniciativa
“O aborto é legal em países desenvolvidos e com forte religiosidade. Se isso fosse um problema masculino, teria sido resolvido há muito tempo” Ginés González García
MINISTRO DA SAÚDE