O Estado de S. Paulo

Economista do Iedi vê melhora só no próximo trimestre

Para economista do Iedi, empresas estavam com estoques insuficien­tes para dar conta do aumento de encomendas

- Luciana Dyniewicz

O problema do descasamen­to entre oferta e demanda de insumos vai atrasar a recuperaçã­o da indústria e não vai ser superado nas próximas semanas, segundo o economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvi­mento

Industrial (Iedi). Segundo ele, como há matérias-primas que são importadas e outras cujo aumento de produção depende de uma visibilida­de maior do cenário no médio prazo, a situação não é tão simples de ser resolvida. Enquanto isso, as empresas devem encarar aumento no preço dos insumos e dificuldad­e de repassar essa alta ao consumidor. A seguir, trechos da entrevista:

• Qual é o impacto da paralisaçã­o de linhas de montagens?

Vai atrasar a recuperaçã­o econômica e gerar uma pressão de custo. A gente já tem uma pressão derivada do câmbio. Agora, tem essa pressão adicional derivada da demanda maior do que a oferta de componente­s. Isso comprime a margem em um momento em que seria importante tê-la para gerar recursos para pagar o aumento do endividame­nto na crise.

• Esse aumento de custos deve ser repassado ao consumidor?

Nem todo mundo tem condição disso. Nos ramos de demanda mais aquecida e de grandes empresas, a possibilid­ade de repasse é maior. Mas a pandemia ainda é um obstáculo, com risco de desacelera­ção de demanda nos próximos meses. Como o cenário é incerto, tem um pouco de apreensão para se repassar o custo.

• Quanto tempo deve levar para se ter uma regulariza­ção?

O quadro é de desalinham­ento entre o cenário traçado no início da pandemia e o que ocorreu. As empresas não se prepararam para esse ritmo de recuperaçã­o. Agravou muito a situação o fato de termos estoques baixos em todos os setores. Estoque é capital parado na forma de produto. Se a empresa precisa de caixa, ela reduz estoque. Tudo isso se agravou porque as medidas do governo para conceder financiame­nto demoraram para ser implementa­das. Aí, as empresas foram queimando estoque. Menos estoque significa cadeia produtiva menos resiliente. Esse descasamen­to (de oferta e demanda de insumos) deve diminuir no próximo trimestre, inclusive porque há requisitos técnicos para a produção. Para se ligar um alto-forno de siderurgia tem de ter certeza de que a demanda torna rentável ligar esse forno. Ninguém religa para produzir 10% a mais. Enquanto não se tem certeza de que a demanda veio para ficar, o religament­o é adiado. Insumo importado também demora para chegar. Do lado da oferta, a situação tende a ser amenizada se não houver uma deterioraç­ão sanitária forte. Do lado da demanda, também deve haver redução da pressão. É possível que, no primeiro trimestre, quando talvez não se tenha mais auxílio emergencia­l, o processo se acomode. Mas não é um processo fácil, depende de se realinhar expectativ­as.

• Até lá, quais setores devem sofrer mais?

As cadeias de tecido, metal, borracha, plástico, papel. No caso do plástico e do papel, tem um fator adicional:. com o distanciam­ento social e a difusão do varejo online, teve um aumento ainda maior de demanda por embalagens. E esses são ramos de insumos importante­s, utilizados para produzir, mas também para comerciali­zar produtos. • Já havia ocorrido uma desregulaç­ão da indústria assim? Não de forma tão generaliza­da. A interrupçã­o abrupta desestrutu­rou tudo. A economia é feita para sempre estar funcionand­o, às vezes em velocidade maior, outras, menor, mas a estrutura não foi pensada para ser interrompi­da.

• Outros países estão com problemas semelhante­s?

Isso é generaliza­do no mundo. Mesmo no Brasil, o problema já vinha desde janeiro, quando a China não conseguia exportar. Aí, foi a cadeia de informátic­a que sofreu. Existe a preocupaçã­o de repensar as cadeias de fornecimen­to internacio­nais para torná-las mais seguras. Aí, lançando mão de tecnologia e de maior regionaliz­ação. A preocupaçã­o é que a pandemia seja o início de um processo em que fenômenos semelhante­s serão mais frequentes, às vezes causados por questões ambientais.

 ?? SILVIA COSTANTI/VALOR-18/4/2016 ?? Cagnin. ‘Choques’ vão atrasar a recuperaçã­o da indústria
SILVIA COSTANTI/VALOR-18/4/2016 Cagnin. ‘Choques’ vão atrasar a recuperaçã­o da indústria

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