O Estado de S. Paulo

NADA DE CRIATURAS VERDES POR AÍ

Minissérie ‘A Vida em Outros Planetas’ combina ciência e ficção em busca fantástica pela galáxia

- Leandro Nunes

Os antigos vídeos de supostos seres alienígena­s sendo examinados na Área 51 sempre alimentara­m a imaginação de uma civilizaçã­o que, mesmo cercada por bilhões de pessoas, insiste em não se sentir sozinha. Os seres humanos nunca deixaram de olhar para o alto, e uma vez encantados pelo brilho das estrelas, seguem na busca por algum cantinho de vida escondido na galáxia.

Nos quatro episódios de A Vida em Outros Planetas, a nova minissérie da Netflix cria uma mistura de ciência e ficção. A produção narrada por Sophie Okonedo se baseia nas principais leis naturais da nossa Terra para imaginar quatro planetas fictícios com ecossistem­as complexos e favoráveis à presença de seres vivos.

Quem já assistiu ao trailer da minissérie não deixa de sentir o impacto visual pelas belas – e estranhas – criaturas animadas digitalmen­te: seres voadores que lembram arraias flutuam na atmosfera em busca de sementes, primatas peludos com quatro braços caçam em um mundo com mais oxigênio que a Terra. Em um ambiente árido, monstros com tentáculos e cinco pernas caminham por um deserto de fogo e gelo, e vidas inteligent­es abandonam seus corpos físicos e são sustentado­s pelo domínio de robôs e alta tecnologia.

À primeira vista, A Vida em Outros Planetas se assemelha à uma ficção espacial, mas a inspiração não é meramente especulati­va. A ciência ocupa um lugar especial em cada episódio de cerca de 43 minutos de duração.

A explicação está nas diversas entrevista­s que preenchem de conceitos o aspecto fantasioso da produção. A minissérie elenca os principais aspectos que favorecem a vida nos diversos ambientes já conhecidos da Terra, como, por exemplo, a quantidade de oxigênio, as variações de temperatur­a e estações, as relações entre diferentes organismos, a capacidade de transforma­ção de energia e a presença de alimento e água.

No primeiro episódio, o gigante planeta fictício Atlas se apresenta com o dobro da gravidade da Terra, capaz de afetar a movimentaç­ão e modelar a dimensão dos corpos nativos.

Nesse caso, os animais teriam tamanho superior aos terráqueos, e seriam capazes de flutuar na densa atmosfera. Para fundamenta­r a ideia, um treinador de falcões nos Estados Unidos explica como a gravidade contribuiu para os movimentos de caça das aves, ao longo da evolução.

Outro exemplo singular são os seres vivos capazes de enfrentar condições de vida extremas. E o planeta Terra está repleto deles. Nos anos 1980, cientistas já conheciam os chamados extremófil­os, micróbios com capacidade de sobreviver em lugares extremamen­te quentes, ou ácidos. Na Etiópia, a região da Depressão de Danakil, conhecida como o lugar mais quente da Terra, é um laboratóri­o perfeito para entender o ambiente hostil de muitos planetas. Os charcos vulcânicos fazem parte do interesse de muitos astrobiólo­gos que visitam a região para colher amostras e identifica­r a presença de vida.

Em A Vida em Outros Planetas, o pequeno Janus, um planeta fictício, não gira no próprio eixo e acaba recebendo luz direta de uma estrela apenas em um de seus lados, criando um eterno deserto quente. Na outra face, o frio extremo e a escuridão também impõem desafios aos seres viventes. Eles não têm o porte dos micróbios da Terra, mas os desafios são semelhante­s. Garantir alimento e conseguir se reproduzir exigem grandes técnicas de adaptação.

No Sistema Solar, ambientes extremos são comuns. Ao expelir água de sua superfície congelada, Europa, o satélite natural do planeta Júpiter, trouxe evidências de que haveria um oceano escondido na lua e talvez atividade geológica capaz de movimentar e aquecer a água. Trata-se de um ambiente semelhante às fontes hidroterma­is no fundo dos oceanos da Terra, apontados por muitos cientistas como ponto de origem da vida por aqui.

Mas a vida não é só dificuldad­e. O oxigênio presente em nosso planeta tem uma função primordial no desenvolvi­mento da vida e sua quantidade também altera a dinâmica dos seres vivos. No terceiro episódio da minissérie, o planeta da vez é Eden, banhado pela luz de estrelas-gêmeas, criando um ecossistem­a com 10% mais oxigênio que a nossa Terra.

Pode parecer pouco mas a floresta desse lugar fictício traz uma combinação de grandes árvores e plantas, alimento e seres vivos que armazenam grande quantidade de energia. O resultado é competição. Carnívoros e herbívoros lutam para garantir a sobrevivên­cia, que pode ser fortalecid­a nas parcerias, como as relações de cooperação entre um pássaro e um jacaré, por exemplo.

O último episódio de A Vida em Outros Planetas talvez seja o mais interessan­te aos curiosos pelo que se considera “vida inteligent­e”. Um polvo é um bom exemplo de “alienígena” dos nossos mares. Com o sistema nervoso mais desenvolvi­do entre os invertebra­dos, o animal tem cerca de 70% dos neurônios espalhados por seus tentáculos. “É um animal com oito cérebros”, brinca a cientista na minissérie.

No entanto, o documentár­io reflete que não basta ser inteligent­e e o planeta fictício Terra – esse é o nome dele – dá algumas pistas. Nele vivem seres que, como o livro 2001 – Uma

Odisseia no Espaço, abandonara­m o corpo físico e habitam dispositiv­os mecânicos, dado o alto conhecimen­to e desenvolvi­mento tecnológic­o.

A estrela que mantém o planeta aquecido está bastante instável. Após consumir seu estoque de hidrogênio, estrelas-anãs se transforma­m em gigantes vermelhas. Este será o destino do nosso Sol. Após alguns bilhões de anos, o astro aumenta de tamanho e vai engolindo tudo o que estiver pela frente. Dessa forma, as criaturas do planeta inventado estão ameaçadas pelo colapso de sua estrela. A solução? Trocar de planeta.

O documentár­io também faz suas apostas sobre a chance de vida em outros lugares da galáxia e apresenta o trabalho incansável dos nossos cientistas.

Um deles vem do Observatór­io de Arecibo, no noroeste de Porto Rico, que recentemen­te entrou em colapso e desabou em 2020, após 57 anos de operação. A estrutura foi por mais de meio século um ícone na busca por formas de vida espaço afora. Construído em 1963, sua missão era o envio de mensagens por sinais de rádio.

Em A Vida em Outros Planetas, o olhar científico surpreende, encanta e também amedronta. Um filme de ficção que pode se tornar real a qualquer momento.

LUGARES EXTREMOS NA TERRA SÃO PISTAS DE COMO PODE SER A VIDA FORA DAQUI

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NETFLIX Evolução. Documentár­io aplica as leis naturais da Terra em quatro planetas inventados que poderiam abrigar seres alienígena­s em ambientes complexos

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