O Estado de S. Paulo

O CINEASTA QUE CAUSOU ESCÂNDALOS

Cenas fortes em filmes como ‘A Ilha’ são um contrapont­o a histórias humanas, como em ‘Casa Vazia’

- Luiz Carlos Merten COLABOROU UBIRATAN BRASIL /

O cineasta sul-coreano Kim Kiduk morreu aos 59 anos, na madrugada desta sexta-feira, 11, na Letônia, devido a complicaçõ­es da covid-19, conforme informaçõe­s da mídia coreana. O diretor de Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera (2003) estava na Letônia desde 20 de novembro passado, onde pretendia morar.

Antes de Park Chan-wook, Bong Joon-ho e Lee Changdong, houve Kim Ki-duk. Ele talvez tenha sido o primeiro autor sul-coreano de sua geração a ganhar projeção internacio­nal. Tornou-se assíduo nos grandes festivais. Era considerad­o ousado, provocador – era. Aos 59 anos, Kim Ki-duk estava em fase de mudança para a Letônia. Iniciara o processo para comprar uma casa e transferir-se para a antiga república soviética. Ele tinha justamente um encontro agendado com um corretor. Não compareceu. Havia sido internado numa unidade de urgência de saúde.

A morte do cineasta coreano foi indiretame­nte confirmada pelo Ministério das Relações Exteriores em Seul, que disse que um “homem sul-coreano em seus 50 anos morreu enquanto estava sendo tratado para covid-19 em um hospital na Letônia, nas primeiras horas de 11 de dezembro, hora local”. Segundo o comunicado, o homem não foi identifica­do devido a questões de privacidad­e. E, de acordo com a agência sul-coreana Yonhap, o diretor deixou de dar notícias a partir de 5 de dezembro.

Nascido numa família operária, Kim não teve uma formação especializ­ada para se tornar cineasta. Estreou relativame­nte tarde, aos 33 anos. Foi premiado em Berlim e Veneza, participou da seleção de Cannes. Ganhou admiradore­s pelo forte conteúdo visual de seus filmes e pela preferênci­a por personagen­s marginais, em choque com as instituiçõ­es. Entre seus melhores filmes estão A Ilha, Endereço: Desconheci­do, Crocodilo, Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera, Samaritan Girl, Casa Vazia, O Arco, Sem Fôlego, Pietà.

Casa Vazia causou profunda admiração em Hector Babenco. A história do homem que entra nas casas e coloca ordem na desordem em que vivem as pessoas mexe com temas profundos do inconscien­te. Folhetos com propaganda­s de restaurant­es colados nas portas das casas deram ao cineasta a ideia para o longa-metragem.

Já A Ilha provocou polêmica no Festival de Veneza, de 2000. Foi considerad­o violento. E sua violência, tida como gratuita por apresentar cenas como a do homem que engole uma fieira de anzóis e a da mulher que faz a mesma coisa, mas de forma ainda mais aflitiva. Durante a sessão para a imprensa, duas jornalista­s passaram mal. A projeção teve de ser interrompi­da para que uma delas, branca como papel, fosse conduzida para fora da sala.

Seu filme seguinte, Endereço Desconheci­do, não foi menos radical: mais uma vez, Kim Ki-duk usa o sofrimento da carne para expressar como padecem na existência os seres que cria e leva para a tela. Já Pietà é sobre um violento cobrador de contas atrasadas. Sua vida fica caótica quando surge essa mulher que se apresenta como sua mãe – será?

Em 2017, uma atriz sul-coreana acusou Kim Ki-duk de agredi-la sexualment­e durante uma filmagem, uma denúncia muito pouco comum em um país extremamen­te conservado­r, onde as vítimas temem a vergonha pública. A atriz afirmou na época que sua participaç­ão no filme Moebius (2013), um thriller sobre o incesto, a deixou “profundame­nte traumatiza­da”.

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MARKUS SCHREIBER/AP – 17/2/2018 Diretor. Ele estava na Letônia, para onde iria se mudar

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