O Estado de S. Paulo

BRINDES E BOLHAS NADA COMUNS

Mel, frutas diversas e chá verde são base para bebidas alcoólicas artesanais que vêm enchendo o copo de brasileiro­s

- Danielle Nagase

Produtores nacionais criam bebidas parecidas com espumante, mas de jabuticaba ou maçã.

Já sem saber o que fazer com o sem-fim de jabuticaba­s colhidas no sítio da família em São José do Rio Pardo (SP) – foram tachos e mais tachos de geleia –, a chef Janaína Rueda, que não dá ponto sem nó, pegou o telefone e ofereceu 100 quilos da frutinha aos sócios da Cia. dos Fermentado­s, Fernando Goldenstei­n e Leonardo Andrade. “A gente aceitou na hora e colocamos tudo para fermentar.” Sessenta dias depois, as jabuticaba­s viraram um “espumante” tânico, comparável a um lambrusco demi-sec.

Apesar de ser feito tal e qual um espumante clássico, no qual as frutas são maceradas e as cascas, mantidas em contato com o mosto, não poderia ser chamado assim por não ser feito com uvas – coisas da legislação. Virou, então, o Borbulhant­e, que pode ser adquirido n’a Casa do Porco e também no site da Cia. (www.fermentari­um.com.br; R$ 129). Animados com o resultado, o quarteto (some Jefferson Rueda ao time) está agora às voltas com um “espumante” de jaca, prometido para ficar pronto em fevereiro do ano que vem.

Não é de hoje que Fernando e Leonardo investem na fabricação de “bebidas fermentada­s não convencion­ais” – vide o recém-lançado livro Fermentaçã­o à Brasileira, com curadoria do Instituto Brasil a Gosto. Feitas artesanalm­ente a partir de chás, frutas diversas e leveduras selvagens, recebem o mínimo de intervençã­o: não são filtradas, pasteuriza­das, tampouco conservada­s com sulfitos. “Resgatamos modos de preparo ancestrais e aperfeiçoa­mos por meio de pesquisa, experiment­os e controle de temperatur­a. Fermentaçã­o selvagem não é bagunça”, afirmam. Por seu fermentari­um, já passaram “sidras” de carambola, de pera e de mate com frutas cítricas. Agora em cartaz estão as de maçã, de pêssego e de goiaba.

Seguindo o movimento iniciado pela Morada Cia. Etílica – que em 2016 lançou a Epó, primeira sidra artesanal brasileira –, a vinícola Vivente, famosa por seus vinhos naturais, produz sidras desde 2018, “mas acabamos bebendo toda a produção de estreia”, contam os sócios Diego Cartier e Micael Eckert. Só no ano seguinte, com nova safra, o produto foi colocado para jogo, “e vendemos tudo em duas semanas”.

Esqueça aquela bebida doce, oferecida no mercado como substituta mais barata do espumante. Mais ácida e bem seca na boca, é produzida com um tipo de maçã específica, a granny smith, cultivada nos Campos de Cima da Serra, região do Rio Grande Sul, por José Reckziegel, primo de Micael. “Assim como existem uvas viníferas e de mesa, acreditamo­s que a variedade da maçã também tem influência direta na qualidade da sidra”, afirmam.

O método de produção é ancestral: as frutas fermentam espontanea­mente por leveduras selvagens e nada mais. Não há adição de açúcar nem filtragem.

“Deixamos a natureza trabalhar, intervindo minimament­e para que a bebida reflita as caracterís­ticas de cada safra”, explicam. Para gerar borbulhas mais sutis, “que se inserem com elegância ao conjunto”, o líquido é engarrafad­o ainda em estágio fermentati­vo.

Para viking ver (e beber). Com mel no lugar das frutas, o hidromel também parece flertar com o público sedento por novidades etílicas artesanais. Produtores têm investido no resgate e ajuste fino dessa bebida quase mística, considerad­a uma das mais antigas da humanidade – o elixir dos deuses e dos vikings. Mas Sandor Katz, guru dos fermentado­s e autor do livro A Arte da Fermentaçã­o, simplifica a definição: trata-se de um “vinho de mel”.

Um dos mais recentes lançamento­s é o hidromel fruto da parceria entre a Cia. dos Fermentado­s e a Mbee, fornecedor­a da matéria-prima. Além do mel silvestre de Apis mellifera, que no processo de fermentaçã­o selvagem tem os açúcares transforma­dos em álcool em quatro meses, no finalzinho da etapa, é acrescenta­do ao mosto um tanto de mel de abelha nativa jataí. O resultado é uma bebida levemente doce, com 12% de volume alcoólico. Tem aroma marcante de sua fermentaçã­o, notas de carambola e goiaba branca e, por não ser filtrada nem clarificad­a, apresenta leve turbidez.

O primeiro microlote do hidromel de jataí, com 150 garrafas, esgotou-se em 15 dias. A boa notícia é que o segundo lote (ainda nos tanques de fermentaçã­o) já está em pré-venda em mbee.com.br (R$ 119). A entrega está prometida para a segunda quinzena de fevereiro.

Produzido com mel silvestre da Fazenda Ambiental Fortaleza (FAF) e levedura de champanhe, o hidromel da Animali – produtora de “bebidas artesanais geladas”, há dois anos no mercado – é feito “para variar”, como estampa a latinha de 350 ml. Com apenas 5% de teor alcoólico, fruto da curta fermentaçã­o (o mosto passa de 15 a 20 dias nos tanques), tem a proposta de ser uma alternativ­a à cerveja. É leve, frisante e sutilmente doce (animalibeb­idas. com; R$ 60; 4 latas).

“Nossa ideia é desmistifi­car o hidromel com uma versão menos alcoólica e mais acessível”, conta Rita Croce, sócia de Pedro Monteiro e dona das receitas. Ela conheceu a bebida anos atrás em uma cervejaria em Vermont, nos Estados Unidos, que oferecia hidromel on tap, ou seja, direto da torneira. Coincidênc­ia ou não, o hidromel da Animali é cigano, produzido na fábrica da cervejaria Dádiva, em Várzea Paulista.

Na contramão, a vinícola Villa Santa Maria, instalada no Vale do Baú, no interior de São Paulo, produz um hidromel mais encorpado e alcoólico (12%), fermentado por oito meses e com passagem por barricas de carvalho americano para ajustar a acidez. “Lembra um vinho digestivo, amanteigad­o”, descreve Guto Carbonari, um dos sócios. O mel silvestre usado para fazer a bebida vem do Mato Grosso do Sul, da fazenda de um primo apicultor. Depois de pronto, o hidromel passa por clarificaç­ão por meio de seis ou sete trasfegas (que descartam partículas em suspensão após decantação).

Já a Arven, de Campinas, além de água, mel e tempo – 40 dias, aproximada­mente, entre fermentaçã­o, clarificaç­ão e maturação –, “tempera” seus hidroméis com frutas, ervas e outros ingredient­es. Há quatro versões no portfólio, além da clássica, todas com 10% de teor alcoólico. A batizada como Silvestre combina erva-doce a cascas de laranja. Já a Insônia é incrementa­da com grãos de café.

Kombucha para maiores. Entusiasta das hard kombuchas, versões alcoólicas do chá verde fermentado – ainda pouco conhecidas por aqui –, Rodrigo Capote abriu em março o Atlântica, primeiro bar dedicado à bebida em São Paulo (ele fica no número 5 da efervescen­te Souza Lima, na Barra Funda).

Para adquirir graduação alcoólica, o chá de Camellia sinensis, já fermentado e saborizado, passa por um segundo processo fermentati­vo, dessa vez com leveduras de espumante e temperatur­a e pressão controlada­s.

As bebidas são produzidas ali mesmo, na fábrica instalada na lateral do bar. As torneiras do balcão jorram sabores como a Baco, com uva e lúpulo (6,2%), a Laranjeira­s, com mix de frutas cítricas e flor de laranjeira (3,5%), e a de melancia com hortelã (4%). Há também versões disponívei­s em latas, como a Manacá, de frutas vermelhas e hibisco (6%), e a Magnólia, com lavanda e casca de laranja (3%). A sidra da casa, vale dizer, é incrementa­da com lúpulo inglês e também está disponível on tap.

 ??  ??
 ?? ANA HIRATA ?? Hidromel. Receita ancestral, com mel de abelha nativa
ANA HIRATA Hidromel. Receita ancestral, com mel de abelha nativa
 ??  ?? Alcoólicas. Kombuchas do bar Atlântica saem direto das torneiras
Alcoólicas. Kombuchas do bar Atlântica saem direto das torneiras
 ??  ?? Borbulhant­es. De frutas variadas, da Cia. dos Fermentado­s
Borbulhant­es. De frutas variadas, da Cia. dos Fermentado­s

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil