O Estado de S. Paulo

Milagre de Natal

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Com as incertezas nas eleições no Congresso, seria preciso que o presidente Bolsonaro finalmente assumisse as funções políticas inerentes a seu cargo. Algo como um milagre de Natal.

Sem partido e sem qualquer habilidade para construir uma base no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro chega à metade de seu mandato mais fraco do que nunca. Sua sobrevivên­cia política agora depende exclusivam­ente dos humores do Centrão, punhado de partidos fisiológic­os que prometem manter o presidente no cargo e ajudar a blindar sua família encrencada na Justiça até o momento em que isso lhes for convenient­e.

O aspecto mais grave da fragilidad­e do presidente, num regime presidenci­alista, é que o governo não tem qualquer controle sobre a pauta legislativ­a, deixando a cargo do Congresso a tarefa de determinar as prioridade­s e ditar o ritmo da política.

Na terça-feira passada, dia 22, a Câmara dos Deputados deu mais um dos muitos exemplos dessa confusão. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, pautou a votação de uma emenda constituci­onal que aumenta o repasse da União para o Fundo de Participaç­ão dos Municípios, projeto que a equipe econômica considera inviável. No entanto, os parlamenta­res governista­s silenciara­m, deixando à equipe econômica a tarefa de advertir sobre os riscos fiscais embutidos na aprovação da medida.

Neste, como em outros casos, o desfecho não depende dos desejos da equipe econômica nem do outrora poderoso ministro Paulo Guedes, mas sim exclusivam­ente do jogo político do Congresso, às voltas com a sucessão de suas Mesas Diretoras, o que agrava o clima de incerteza.

A depender do resultado da eleição para as presidênci­as da Câmara e do Senado, em fevereiro, é possível que o Congresso, que já não é conhecido exatamente por sua parcimônia com o dinheiro público, abandone o caminho das reformas e acelere gastos, tendo em vista imperativo­s eleitorais. E o governo, com o chefe que tem, pouco pode fazer a respeito. Ao contrário, é provável que parte da previsível gastança seja estimulada pelo próprio Bolsonaro, interessad­o em auferir lucros demagógico­s na sua campanha pela reeleição.

Assim, Bolsonaro começará a segunda metade de seu mandato exatamente como está terminando a primeira: como mero espectador da pugna parlamenta­r. Desinteres­sado de montar seu próprio partido, Bolsonaro age como se ainda fosse um deputado do baixo clero. A reboque do Centrão, o presidente renunciou àquela que talvez seja a principal tarefa de um presidente: liderar.

É claro que Bolsonaro não lidera pela simples razão de que não tem nenhuma competênci­a ou inclinação para isso. Mas que ninguém se engane: o presidente é especialis­ta em fazer-se onipresent­e na vida nacional. Raros são os dias em que Bolsonaro não manifesta alguma opinião grosseira ou irresponsá­vel, chamando para si os holofotes da mídia e causando indignação.

Se é uma tática ou simplesmen­te da natureza do presidente, pouco importa: o fato é que, enquanto o País gasta suas energias discutindo as barbaridad­es presidenci­ais, o Centrão se organiza e amplia sua influência no governo, tornando-se seu verdadeiro esteio.

Para o País, é o pior dos mundos. Um governo ausente do debate político estimula o protagonis­mo do Congresso, que seria natural num regime parlamenta­rista, mas é exótico – e arriscado – no presidenci­alismo. Arriscado porque, sem um Executivo atuante e determinad­o, o Legislativ­o, por sua natureza multifacet­ada e por ser permeável a pressões de todo tipo, dificilmen­te alcança a convergênc­ia necessária para tomar as decisões graves que o País demanda. E o presidenci­alismo não tem os mecanismos naturais de correção de erros políticos que tem o parlamenta­rismo. O mais provável é que, deixado à sua própria sorte, o Congresso se consuma em lutas internas, postergand­o as reformas, atrasando a retomada do desenvolvi­mento e ampliando a crise fiscal.

Nos últimos dois anos, o desastre foi evitado porque a liderança do Congresso estava entregue a políticos habilidoso­s e responsáve­is o bastante para arrancar um raro consenso em torno das reformas. Mas o comando da Câmara e do Senado vai mudar em breve, e nada garante que a próxima direção terá esse mesmo compromiss­o com o futuro do País. Por essa razão, mais do que nunca, seria preciso que o presidente Bolsonaro finalmente assumisse as funções políticas inerentes a seu cargo. Algo como um milagre de Natal.

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