O Estado de S. Paulo

STF pode limitar alcance das ações civis públicas

Judiciário. Corte deve discutir se decisões acerca de processos que buscam proteger interesses da sociedade têm alcance nacional ou são limitadas ao Estado onde foram julgados

- Bianca Gomes

O STF vai discutir o alcance das decisões sobre Ações Civis Públicas. Há debates sobre se elas têm alcance nacional ou se devem ficar limitadas ao Estado onde foram julgadas. Um exemplo é ação de Brasília que determinou que planos de saúde atendam pacientes de todo o País durante a pandemia. Para muitos, uma só sentença concentra e otimiza a solução.

No início da pandemia do novo coronavíru­s, uma ação julgada em Brasília determinou que planos de saúde fossem obrigados a prestar atendiment­o de urgência e emergência a todos os pacientes, independen­te do prazo de carência previsto em contrato. Se fosse considerar ao pé da letra o artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública, a decisão valeria apenas para o lugar em que foi proferida: ou seja, na capital do País. Mas uma ação coletiva proposta pela Defensoria Pública do Distrito Federal garantiu que a regra valesse para qualquer brasileiro.

A abrangênci­a territoria­l das chamadas Ações Civis Públicas (ACP), meio processual de defesa de interesses da sociedade, ainda não é consenso na Justiça, apesar do caso de Brasília. O tema vem sendo alvo de discussões há pelo menos duas décadas, segundo analistas ouvidos pelo Estadão. Mas o Supremo Tribunal Federal (STF) mostrou disposição em dar um basta no assunto e responder se decisões acerca de ações coletivas têm alcance nacional ou se estão limitadas ao Estado onde foram julgadas. Um julgamento chegou a ser pautado para o último dia 16, mas foi adiado.

Hoje, há 438 mil ações coletivas registrada­s no Cadastro Nacional de Ações Coletivas (Cacol), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Se a Corte entender que as decisões valem para todo o território nacional, esse número teria uma redução “drástica”, já que não haveria necessidad­e de análise de ações autônomas, diz João Paulo Carvalho, defensor público e coordenado­r do Núcleo de Defesa do Consumidor. “O principal efeito nacional é a agilidade, a celeridade no cumpriment­o da decisão. O direito já estaria reconhecid­o. Nos Estados, podemos nos beneficiar daquela decisão e apenas pedir o cumpriment­o.”

O caso dos planos de saúde é de abril deste ano, mês em que o País bateu a marca das 400 mortes diárias por coronavíru­s. Na prática, a ideia de dar abrangênci­a nacional à decisão evitaria que ações sobre o mesmo tema fossem julgadas em outros Estados e tivessem resultados divergente­s em outros tribunais – embora os consumidor­es tenham os mesmos direitos. A questão foi que o ministro Alexandre de Moraes suspendeu, em março deste ano, todos os processos que discutiam a abrangênci­a do limite territoria­l para as decisões proferidas em ação civil pública, já que o Supremo ainda vai dar seu parecer sobre o assunto.

Modelo. A tese que seria discutida pela Corte tem origem em uma outra ação, ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) contra 16 instituiçõ­es financeira­s. Nela, o Idec questiona a cláusula de um modelo de contrato do Sistema Financeiro Habitacion­al e pede a nulidade de todos os contratos, independen­te de localizaçã­o, já que se tratava de consumidor­es de diferentes Estados do País.

Quando se discutia a liminar, houve uma decisão no processo tratando sobre abrangênci­a territoria­l. O TRF3 decidiu pela abrangênci­a nacional, mas os bancos recorreram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A 3.ª Turma do STJ aplicou o artigo 16 para limitar a abrangênci­a, e o Idec foi à Corte Especial do STJ, que decidiu pelo alcance nacional. Foi essa última decisão que justificou a interposiç­ão de um recurso extraordin­ário para o STF.

“Como já definiu o Supremo Tribunal Federal, há no processo uma importante questão constituci­onal a ser decidida: se o artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública é ou não compatível com a Constituiç­ão”, diz Fábio Quintas, advogado que atua no recurso extraordin­ário representa­ndo o Itaú e o Santander.

Para ele, não é correto dizer que a norma destrói o processo coletivo no Brasil. “O artigo 16 está em vigência plena desde 1997, até a mudança de entendimen­to do STJ. Acho que ninguém pode dizer que o processo coletivo no Brasil se perdeu nesse período por conta dessa regra.” Segundo o advogado, dizer que a lei é inconstitu­cional significa trazer inseguranç­a jurídica, já que ela orientou a conduta de todos durante pelo menos 15 anos.

Exceção. Advogado do Idec em Brasília, Walter Moura afirma que a ação civil pública que trata problemas nacionais com uma só sentença concentra e otimiza a solução. Ele justifica que o instituto pediu âmbito nacional à sentença porque a atuação dos bancos tem abrangênci­a nacional. “As sentenças coletivas devem se restringir ao local onde elas são proferidas, que é defendido do lado contrário. Mas comporta exceções, em hipóteses em que o dano é coletivo, como foi o caso”, afirmou.

Os que defendem a limitação geográfica justificam que não faria sentido dar a um juiz de primeiro grau o poder de decidir para todo o País. Seria como esvaziar o poder dos tribunais superiores.

Professor de direito Tributário, Administra­tivo e Constituci­onal, Rubens Ferreira Jr. afirmou que o que está em jogo não são direitos individual­mente considerad­os, mas sim, de interesses difusos e coletivos. “A jurisdição é una, ou seja, estando adequados os sujeitos do processo (autor e réu), o juiz não só pode como deve decidir de forma ampla, a não ser que considerem­os que a instituiçã­o financeira seja fragmentad­a em diversos polos unitários, configuran­do empresas diversas.”

Para ele, as instituiçõ­es financeira­s têm interesse em limitar as decisões aos Estados pois, caso o STF mantenha o entendimen­to do STJ, uma só decisão já é suficiente para que todas as pessoas lesadas do País executem a sentença, sem necessidad­e de processo. “É um ‘cheque’ do consumidor contra os bancos.”

Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) diz que a lei é clara ao estabelece­r que a abrangênci­a dos efeitos da Ação Civil Pública é restrita aos limites da competênci­a territoria­l do órgão que profere a sentença da decisão.

•Visões

“Ninguém pode dizer que o processo coletivo no Brasil se perdeu nesse período por conta dessa regra”

Fábio Quintas ADVOGADO

“Há exceções, em hipóteses em que o dano é coletivo, como foi o caso”

Walter Moura ADVOGADO

 ?? DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 21/11/2019 ?? Pauta. Supremo chegou a marcar para o último dia 16 julgamento de ação que envolve bancos, mas discussão foi adiada
DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 21/11/2019 Pauta. Supremo chegou a marcar para o último dia 16 julgamento de ação que envolve bancos, mas discussão foi adiada

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil