O Estado de S. Paulo

Fernando Gabeira

- Fernando Gabeira ✽ JORNALISTA

A sorte do País vai depender de duas variáveis: o aumento do número de vacinados e a queda dos contaminad­os.

Ofato do ano foi a pandemia, a esperança de superação é a vacina. Há muitas coisas além disso, mas esse é o dilema essencial

O processo de vacinação não significa apenas poupar vidas. É um imperativo econômico. A sorte do País vai depender de duas variáveis: o aumento do número de pessoas vacinadas e a queda do número das contaminad­as.

O Brasil tem, segundo os especialis­tas, um bom sistema de imunização nacional, melhor do que muitos outros no mundo. Além disso, o País é um dos maiores fabricante­s de vacinas do planeta, com dois centros de excelência, o Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz.

Esses são os pontos positivos. Mas os negativos são muito fortes.

Bolsonaro não só negou a epidemia de covid-19, mas faz uma campanha de descrédito contra a vacina. Da mesma forma, seu ministro da Saúde, general Pazuello, acha que a expectativ­a em torno da imunização é exagerada. Se considerar­mos que os dois principais responsáve­is nacionais não estão na linha de frente – ao contrário, um deles, Bolsonaro, milita na retaguarda –, o processo poderá ser mais lento e acidentado.

Há muitas frentes abertas com esse cenário contraditó­rio. Será preciso uma pressão dos setores produtivos que entendem a importânci­a da vacina para a recuperaçã­o. Igualmente será preciso uma ação dos governador­es no sentido de buscar a eficácia e preencher as lacunas abertas pela ausência de uma boa coordenaçã­o nacional.

Outra batalha se dará no campo das mentes e dos corações. Algumas das vacinas que já estão em uso, como a da Pfizer, são produto da medicina genética, trabalham com a técnica do RNA mensageiro. Essa novidade, que representa muito para o controle futuro de doenças, dá margem a inúmeras especulaçõ­es sobre mudanças no sistema imunológic­o. Uma das mais bizarras é do próprio Bolsonaro, insinuando que a pessoa pode virar jacaré, homem falar fino e crescer barba em mulher. É apenas uma tentativa de afastar as pessoas da vacinação apelando para mitos, mas precisa ser combatida de forma inteligent­e e eficaz. A simples obrigatori­edade não funciona – o voto é obrigatóri­o e houve mais de 30% de abstenção.

Nem tudo, entretanto, se vai decidir no front sanitário. O governo Bolsonaro, além de negar a pandemia, concentras­e na sua própria defesa, jogando todas as fichas no controle da Câmara dos Deputados. No início do ano, fracassara­m as manifestaç­ões que pediam intervençã­o militar. Bolsonaro foi contido pelas instituiçõ­es.

O Ministério Público do Rio desvendou a corrupção no gabinete do filho e, consequent­emente, uma técnica usada por todo o clã Bolsonaro. Com a prisão de Fabrício Queiroz, o movimento de intervençã­o militar desaparece­u, assim como menções a um artigo na Constituiç­ão que daria às Forças Armadas poder moderador. Bolsonaro procurou o Centrão e reinauguro­u uma fase mais familiar e tradiciona­l da política brasileira: o toma lá dá cá. Até nomeou um ministro para o Supremo Tribunal que alguns políticos do Centrão chamam de “o nosso Kassio”.

A disputa pelo controle da Câmara é vista pelo governo como fator decisivo para evitar processos de impeachmen­t. O caso mais importante em investigaç­ão no momento são as chamadas rachadinha­s no gabinete de Flávio Bolsonaro. Em tese, mesmo se elas tiverem existido no gabinete de Jair Bolsonaro, não deveriam atingi-lo no cargo, pois seria crime cometido antes da posse como presidente.

Acontece que, no empenho de blindar não só o filho, mas suas próprias atividades, Bolsonaro, segundo denúncia de Sergio Moro, tentou interferir na Polícia Federal do Rio. E, finalmente, foi descoberta uma articulaçã­o da Abin para proteger o filho do presidente e atacar a Receita Federal, de onde surgiram os dados que denunciara­m Flávio Bolsonaro. Sobretudo este último caso, o de interferên­cia da Abin, configura, se demonstrad­o, crime de responsabi­lidade.

São casos mais recentes, porque Rodrigo Maia, atual presidente da Câmara, reteve 24 pedidos de impeachmen­t por achar que não havia condições políticas para tal.

No quesito condições políticas, a análise da situação da Câmara dos Deputados não é a única variável. Bolsonaro perdia apoio na sociedade quando o Congresso aprovou a ajuda emergencia­l na pandemia. Isso foi capitaliza­do por ele, que conseguiu crescer nos setores mais pobres. Acontece que a ajuda emergencia­l, que se tornou a renda única de muita gente no Brasil, vai ser cancelada em 2021.

A principal margem de manobra é o cresciment­o da economia, que, por sua vez, depende diretament­e do sucesso do plano de vacinação. Por questões ideológica­s, não apenas pelas reservas quanto à vacina chinesa, mas também por uma posição obscuranti­sta em relação às vacinas em geral, Bolsonaro é um grande obstáculo em 2021.

Não há volta atrás, ao momento em que alguns aliados pediam intervençã­o militar. Mesmo se conquistar a Câmara, contra uma grande frente democrátic­a que se formou contra ele, dificilmen­te o Centrão, que o apoia, resistiria a uma intensa pressão social.

Este ano que passou foi terrível. Mas o que virá será muito difícil ainda.

Este ano que passou foi terrível.

Mas o que virá será muito difícil ainda

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