O Estado de S. Paulo

Decoro parlamenta­r e o respeito às mulheres

- Luiza Nagib Eluf ✽ ADVOGADA. E-MAIL: LUIZAELUF@TERRA.COM.BR

Adeputada estadual Isa Penna (PSOL-SP), durante sessão na Assembleia Legislativ­a de São Paulo, foi atacada pelo colega deputado Fernando Cury (Cidadania), que passou as mãos pelo corpo da colega, apalpando seus seios. Tal violência sexual foi filmada pelas câmeras do plenário e, portanto, tornou-se inquestion­ável a ocorrência do crime. Indignada, a deputada reagiu proferindo palavras contundent­es de repúdio ao ocorrido e pedindo as providênci­as cabíveis da parte de seus pares, principalm­ente da presidênci­a da Casa.

O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 215-A, diz: “Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro. Pena: reclusão de 1 a 5 anos, se o ato não constitui crime mais grave”.

Trata-se da importunaç­ão sexual, acrescida ao Código Penal pela Lei n.º 13.718/2018.

A imprensa divulgou que a deputada Isa Penna também registrou boletim de ocorrência contra o colega e represento­u junto ao Conselho de Ética da Assembleia pedindo que Cury perca o mandato.

Depois da publicidad­e sobre o ocorrido com Isa, ao menos outras quatro deputadas vieram a público, pelos meios de comunicaçã­o, denunciar importunaç­ões sexuais da parte de colegas. Foram elas Tabata Amaral (PDT-SP), Joice Hasselmann (PSL-SP), Áurea Carolina (PSOL-MG) e Clarissa Garotinho (ProsRJ). É de perguntar: o que acontece no Brasil para que o desrespeit­o à mulher seja tão grande e tão comum, apesar de todas as leis pátrias que asseguram a igualdade de gênero, impondo sanções cíveis e criminais a quem desrespeit­ar seus ditames? Que cultura é essa que incentiva o estupro e culpa a vítima pelas agressões que sofre?

Temos uma Constituiç­ão federal que proíbe todas as formas de discrimina­ção e equipara explicitam­ente os direitos de homens e mulheres, assegurand­o o respeito e a convivênci­a civilizada no País. Algo se passa, porém, para que as normas não sejam levadas a sério quando se trata de violência contra a mulher. A cultura patriarcal ainda tenta se sobrepor às normas legais, sacrifican­do a mulher não apenas em sua dignidade sexual, mas também em seu direito à própria vida. Não pode haver tolerância com eventos dessa natureza, os abusadores precisam ser severament­e punidos.

Por outro lado, cabe às vítimas se munirem de coragem e fazer as denúncias relacionad­as às agressões que sofreram. As leis estão a favor das ofendidas, não é necessário ter medo de recorrer às delegacias comuns ou especializ­adas – temos muitas Delegacias da Mulher pelo País. E além da polícia, também o Ministério Público atende mulheres vítimas de violência sexual, física, psicológic­a, moral e patrimonia­l.

O desrespeit­o aos direitos da mulher tem de acabar hoje, agora, neste minuto. Não deve haver tolerância alguma nessa área. E as vítimas não podem ter medo de tomar posição. Nesse particular, a deputada Isa Penna agiu muito bem e faz jus ao nosso aplauso.

A mulher que alega ter sido vítima de agressão sexual merece crédito. A probabilid­ade de ela estar mentindo é a mesma da vítima de roubo, por exemplo. Nos crimes patrimonia­is, a palavra da vítima reveste-se de grande credibilid­ade. É ela que aponta o ladrão, o estelionat­ário, o sequestrad­or, etc. Os casos de crimes sexuais devem ser encarados da mesma maneira.

Sabemos que a sexualidad­e, no Brasil, ainda não é entendida, socialment­e, como manifestaç­ão natural e espontânea do ser humano, mas sim como instrument­o de poder, por meio do qual o homem procura exercer controle sobre o corpo da mulher. Dessa forma, a sexualidad­e é a arma usada para garantir a desigualda­de das categorias sociais. O estupro e a morte são as manifestaç­ões extremas dessa desigualda­de, que não é biologicam­ente induzida, mas socialment­e construída.

A educação sexista fragiliza a mulher e a torna vulnerável às agressões, mesmo quando ela se encontra ocupando altos cargos na hierarquia social e política. Os ataques sexuais praticados cotidianam­ente no País são, muitas vezes, compreendi­dos e perdoados num meio social que autoriza o desrespeit­o a uma parcela significat­iva de sua população, incentivan­do manifestaç­ões de masculinid­ade fundadas na dominação.

Existem muitos grupos feministas atuando entre nós e a união de todas só pode levar ao sucesso. É imprescind­ível transmitir às mulheres que elas são fortes, basta que estejam juntas, solidárias e consciente­s. Por outro lado, é igualmente importante educar os homens para a decência, o respeito, a tolerância e a dignidade. É extremamen­te relevante mostrar à população masculina que as mulheres não são objetos sexuais, disponívei­s para qualquer incauto descontrol­ado que esteja em “estado de necessidad­e”. O episódio filmado na Assembleia Legislativ­a é vergonhoso para seu autor, que merece arcar com as consequênc­ias previstas em lei, a fim de que suas vítimas (a atual e eventualme­nte outras que ele tenha atacado da mesma forma) possam sentir que seus direitos foram, ainda que posteriorm­ente, respeitado­s.

O episódio filmado na Assembleia Legislativ­a paulista é vergonhoso para o seu autor

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