O Estado de S. Paulo

Brexit está finalmente pronto, mas já parece desatualiz­ado

- / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZ­OU

Foram necessário­s onze exaustivos meses para que os negociador­es elaborasse­m os termos de um acordo comercial pós-Brexit. Em muitos aspectos, o acordo já está 4 anos e meio desatualiz­ado.

O mundo mudou radicalmen­te desde junho de 2016, quando uma pequena maioria da população britânica votou pela saída da União Europeia, tentada pelo argumento de que o país iria prosperar quando se livrasse das amarras burocrátic­as.

Naquela época, a visão de um Reino Unido ágil e independen­te – livre para desenvolve­r setores lucrativos da próxima geração e fechar seus próprios acordos comerciais com os Estados Unidos, China e outros países – era um argumento de venda atraente.

Mas isto foi antes da ascensão do presidente Donald Trump e de outros líderes populistas que ergueram barreiras ao comércio e à imigração, voltando seus países para dentro, sob o impulso da onda anti-imigrante e anti-globalista. Foi antes de a pandemia de coronavíru­s expor as vulnerabil­idades das cadeias de suprimento­s de longa extensão, levando a apelos para trazer as indústrias estratégic­as de volta para casa.

O mundo agora é dominado por três blocos econômicos gigantesco­s – EUA, China e União Europeia. O Reino Unido finalizou seu divórcio, ficando isolado em um momento em que o caminho a seguir parece mais perigoso do que antes.

Enquanto conduz o Reino Unido para um futuro pós-Brexit, o primeiro-ministro Boris Johnson também corre o risco de tropeçar politicame­nte. O acordo chega no exato momento em que o presidente eleito Joe Biden está substituin­do o credo trumpista “América em primeiro lugar” por uma mensagem de consertar as alianças e colaborar em questões como saúde e clima.

Embora o acordo evite tarifas e cotas sobre mercadoria­s que cruzam o Canal da Mancha, no fundo se trata de separar vizinhos que ficaram profundame­nte integrados ao longo de quatro décadas. Esse distanciam­ento, dizem os analistas, deve enfraquece­r os laços entre os dois lados em outras áreas, como segurança e diplomacia.

“Biden quer ver alianças, multilater­alismo e cooperação, e o Brexit vai totalmente contra isso”, disse Mujtaba Rahman, analista do Eurasia Group, uma consultori­a de risco político. Trump aplaudiu a iniciativa britânica de se separar da União Europeia. Como recompensa, prometeu negociar um acordo comercial com Johnson. Mas Biden se opôs ao Brexit e descartou a negociação de novos acordos comerciais até que os EUA melhorem sua posição competitiv­a. Isto anula um dos principais pontos de venda do Brexit.

O Reino Unido também se promoveu como defensor dos valores democrátic­os em lugares como Hong Kong, ao lado dos EUA. Mas, em um mundo menos hospitalei­ro, talvez não encontre muitos aliados para esse tipo de missão. “Quem são os parceiros óbvios para eles?”, perguntou Thomas Wright, diretor do Centro para os Estados Unidos e a Europa da Brookings Institutio­n. “Há quatro anos, eles poderiam ter dito Brasil, mas o Brasil agora é governado pelo Bolsonaro”, acrescento­u, referindo-se ao presidente populista Jair Bolsonaro.

Também há limites para o tamanho da musculatur­a do Reino Unido no confronto com estados autocrátic­os como a China e a Rússia.

O Reino Unido acaba de negociar um acordo único na diplomacia comercial – que separa parceiros, em vez de uni-los. Sua capacidade de realizá-lo, dizem os analistas, é um sinal de esperança para sua capacidade de se remodelar mais uma vez. No entanto, “o mundo de junho de 2016 não é o mundo de hoje”, disse Wright. “Eles também sabem disso”.

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