Europa deve apertar restrições ao Brasil por meio ambiente
Na contramão do mundo, índices do País só pioram, o que já se traduz em perda de investimento; situação pode se agravar em 2021
A emissão mundial de gás carbônico poderá fechar este ano com uma queda de 7% por conta do confinamento que a pandemia de covid-19 impôs mundialmente, segundo artigo publicado pela revista Nature Climate Change, do Grupo Nature, um dos mais importantes da área ambiental. O Brasil, contudo, caminha para encerrar 2020 na contramão. O Observatório do Clima já apontou que o
País poderá aumentar a sua emissão de gás estufa em até 20% neste ano em relação a 2018, algo que entrará na conta do desmatamento das florestas do País. Em 2019, as emissões já tinham subido quase 10%. E as consequências econômicas desse descompasso, que já existem, devem se agravar em 2021.
No governo Jair Bolsonaro, os dados ambientais do País só pioraram. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou, recentemente, que a área desmatada na floresta Amazônica, de agosto de 2019 e julho de 2020, foi 9,5% maior que nos 12 meses anteriores. O fato está levando investidores estrangeiros a ameaçar retirar investimentos do País e coloca o Brasil sob o escrutínio também de governos, em especial na Europa. Os efeitos na economia brasileira podem escalar ainda mais com países europeus e da Ásia adotando uma postura mais ativa e passando a rastrear cadeias da produção de commodities para definirem importações de soja, por exemplo.
Sem o aparato governamental, que dá o suporte de fiscalização e punição para combater o desmatamento ilegal, bancos e grandes exportadores começaram a se movimentar por conta da pressão de investidores e países sobre o tema.
Os olhos se voltam para a cadeia de fornecimento. O rastreamento de todos os fornecedores tem sido o ponto mais cobrado até este momento. Entre as ferramentas disponíveis para esse trabalho, a mais conhecida é a Trase, que tem com foco no setor de commodities.
A plataforma aponta que a soja brasileira exportada em 2018 pode ser associada ao risco de desmatamento de um total de 50 mil hectares. A ferramenta consegue identificar, utilizando um processo de investigação aliado à inteligência artificial, se determinado produto foi produzido em uma área onde há desmatamento ilegal.
Vigilância. O pesquisador da Trase, André Vasconcellos, explica que a Trase tem sido utilizada por bancos brasileiros (leia mais abaixo). Mais recentemente, governos da Europa, como o da França, começaram a tentar entender se a soja comprada do Brasil vem de áreas desmatadas. “A gente tem visto diversos países europeus em um movimento regulamentação do consumo de soja e de outras commodities”, diz.
Em paralelo, há países que já começam a se mexer para não depender mais da soja – algo que, segundo Vasconcellos, seria um grande problema para a economia brasileira, dado o alto peso da commodity para a balança comercial do País.
Estudo recente elaborado pela Trase, conjuntamente com a Imaflora e ICV, apontou que 27% de todo o desmatamento em Mato Grosso entre 2012 e 2017 ocorreu em fazendas de soja. Vasconcellos aponta que são poucos produtores que desmatam ilegalmente, mas que eles acabam afetando a imagem de todo o setor.
O estudo mostrou que 80% por cento do desmatamento ilegal em fazendas de soja ocorreu em 400 imóveis, que representam apenas 2% do total de fazendas de soja no Estado. Mas, ao contrário do que se imagina, essas fazendas são grandes imóveis rurais (73%).
A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), disse, em nota, que suas associadas fazem o controle da origem da soja adquirida, com o cruzamento de dados de satélite com informações sobre as coordenadas geográficas das propriedades produtoras. “Desta forma, se a propriedade possui alguma restrição socioambiental, (...) as empresas restringem a compra e financiamento destas áreas”. A Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) não comentou. A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes Industrializadas (Abiec) também não se pronunciou.
Amazônia e Cerrado. Na cadeia da carne os desafios são grandes, dada a pulverização da produção e a concentração da criação de gado na Amazônia e Cerrado. Cerca de 85% da produção está nesses biomas. Estima-se que 2,5 mil propriedades rurais do País se dedicam à pecuária do corte.
Para o diretor de sustentabilidade e comunicação da Marfrig, Paulo Pianez, há uma série de tecnologias disponíveis para se rastrear a produção pecuária. Mas, para engajar os produtores na questão da preservação da Amazônia, é preciso incluilos na discussão e garantir crédito a eles. “O setor tem um grau de invisibilidade muito grande. É preciso conseguir engajar, até para se conseguir rastrear”, comenta o executivo.
O sócio do Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados, Thiago Pereira, afirma que as empresas estão mais atentas à questão ambiental, primeiramente, por conta da própria legislação brasileira, visto que há risco de responsabilização. Além disso, ele comenta que nos últimos anos surgiu uma tendência de colocar o foco nos agentes mais fortes economicamente, pois há maior chance de efetiva reparação, além deles terem maior capacidade de organização e pressão para a regularização.