O Estado de S. Paulo

AMIGOS NOS TEMPOS DE ISOLAMENTO SOCIAL

Estudos apontam que homens estão tendo mais dificuldad­es em manter seus círculos de amizade durante a pandemia

- Samantha Schmidt CÁCIA TRADUÇÃO DE ROMINA

Por mais de uma década, psicólogos escreveram a respeito da “crise da amizade” que muitos homens enfrentam. Uma análise de 2006 publicada na American Sociologic­al Review descobriu que, embora os americanos em geral tenham menos amigos fora do círculo familiar do que costumavam ter, homens jovens, brancos e escolariza­dos perderam mais amigos do que os demais grupos.

As amizades entre homens costumam estar arraigadas em interações “mano a mano”, como assistir a um jogo de futebol ou jogar videogame, enquanto as interações entre mulheres são mais cara a cara, como tomar juntas um café ou uma taça de vinho, disse Geoffrey Greif, professor da Escola de Serviço Social da Universida­de de Maryland que escreveu um livro sobre a amizade entre homens. Quando Greif entrevisto­u centenas de homens sobre como eles costumavam socializar com amigos, 80% dos homens disseram esportes.

Por causa disso, muitos homens provavelme­nte tiveram mais dificuldad­e do que as mulheres para descobrir como adaptar suas amizades em meio a uma pandemia que os está mantendo separados.

“As regras para caras que procuram outros caras para fazer amizades não são claras”, disse Greif. “Caras não querem parecer muito necessitad­os.”

Mas a pandemia pode estar forçando essa dinâmica a mudar. Em e-mails e entrevista­s com o The Washington Post, dezenas de homens compartilh­aram histórias sobre jogos de pôquer pelo Zoom, noites fumando charuto no quintal, redes de apoio de pais da vizinhança por Whatsapp, grupos de Dungeons & Dragons e ligas de Fantasy Football, onde conversas casuais a respeito de esportes e política de repente levaram a conversas profundas – sobre as dificuldad­es do ensino à distância, familiares doentes, separações, nascimento­s, adiamentos de casamento e perda de empregos.

O momento parece mais pesado e as conversas também. Alguns homens disseram que suas amizades começaram a se parecer mais com as de suas esposas e namoradas. Pela primeira vez na vida, eles vão caminhar com os amigos apenas para se atualizar sobre o que estão passando. Eles são velhos amigos de faculdade usando o Facetime para saber como estão os vizinhos – não apenas para falar a respeito das escolhas do draft da NBA ou o cronograma de futebol de seus filhos – mas para perguntar como estão indo.

Quando meninos, os amigos do sexo masculino tendem a compartilh­ar seus segredos mais profundos e sentimento­s mais íntimos uns com os outros, disse Niobe Way, professora de psicologia do desenvolvi­mento que entrevisto­u centenas de meninos para seu livro de 2013, Deep Secrets: Boys ‘Friendship­s and the Crisis of Connection (Segredos profundos: Amizade entre meninos e a crise de conexão, em tradução livre).

Mas conforme os meninos começam a entrar na adolescênc­ia aos 15 ou 16 anos, “você começa a perceber eles se fechando e não se importando mais”, disse Niobe. Eles começam a agir na defensiva em relação à suas amizades, dizendo que “não são gays” e que não são mais tão próximos. “Você percebe essas expectativ­as de masculinid­ade serem impostas a eles.”

Niobe argumenta que a falta de vulnerabil­idade nas amizades masculinas está enraizada em uma cultura misógina e homofóbica que desencoraj­a a intimidade emocional entre os homens. Mas também faz parte de uma cultura que não valoriza a amizade adulta em geral.

“O objetivo da vida adulta é encontrar um parceiro, não encontrar um melhor amigo”, disse Niobe. “Não há nada em nossa definição de sucesso ou maturidade que inclua amizades.”

Mas pesquisas mostram que amizades íntimas e o convívio social são essenciais para sobreviver. Um estudo da Universida­de Brigham Young descobriu que as conexões sociais – com amigos, família, vizinhos ou colegas – aumentam as chances de sobrevivên­cia de uma pessoa em 50%.

Em 2018, a taxa de suicídio entre homens era 3,7 vezes maior do que entre as mulheres, segundo estatístic­as do Instituto Nacional de Saúde Mental. Mas algumas pesquisas mostram que os homens têm menos probabilid­ade do que as mulheres de admitir que são solitários, enquanto outras pesquisas sugerem que os homens compartilh­am mais de sua intimidade emocional com as mulheres de suas vidas. Em um estudo, os homens casados tinham mais probabilid­ade do que as mulheres de listar o cônjuge como seu melhor amigo.

Nesta época de isolamento sem precedente­s, disse Niobe, muitos homens podem ser forçados a mudar a maneira como pensam a respeito de suas amizades e a se conectar de maneiras novas e mais profundas.

Dave Wakeman, de 46 anos, consultor de marketing em Washington, disse que muitas de suas interações sociais antes da pandemia giravam em torno das atividades esportivas de seus filhos ou reuniões familiares com os vizinhos. Mas, após oito semanas de pandemia, ele encontrou um vizinho de rua e percebeu que havia perdido contato com ele e com outros pais da vizinhança.

O grupo de seis homens decidiu começar a organizar happy hours com distanciam­ento social, sentados em suas espreguiça­deiras, cada um na frente de sua casa, na rua sem saída onde moram. Eles criaram um grupo no Whatsapp com o nome de O Batalhão, onde compartilh­am constantem­ente de tudo, desde piadas e memes políticos a frustraçõe­s com o cuidado com os filhos e trabalhar em casa. “Tornou-se mais fácil para as pessoas dizerem: ‘Ei, estou realmente passando por dificuldad­es agora’”, disse Wakeman.

Alguns anos atrás, Stephen Davis, de 33 anos, gerente fiscal no subúrbio de Alexandria, Virgínia, começou a participar de um

MENINOS TENDEM A COMPARTILH­AR MAIS SEGREDOS PROFUNDOS UNS COM OS OUTROS

grupo de mensagens com um de seus melhores amigos e alguns outros caras que ele conhecia vagamente da faculdade. A conversa foi, a princípio, focada exclusivam­ente no mundo da luta livre profission­al. Mas, recentemen­te, o grupo evoluiu para um espaço para desabafar em relação a muito mais temas. Isso os ajudou a várias mudanças de emprego, mudanças de casa e o nascimento de quatro de seus filhos.

Quando Davis estava lutando para ter ideias de como manter seu filho ocupado enquanto os playground­s estavam fechados, um dos outros pais do grupo sugeriu uma pista de obstáculos com almofadas para seu filho correr entre elas. Quando a bolsa da esposa de Davis estourou, ele mandou uma mensagem para o Five Man Band antes de qualquer outra pessoa – mesmo antes de seus pais.

O grupo se tornou mais próximo do que nunca durante a pandemia. Eles agora enviam cerca de 100 mensagens de texto por dia, um fluxo constante de consciênci­a sobre o que está acontecend­o em suas vidas. As conversas parecem mais vulnerávei­s, mais honestas do que outras que Davis já teve com amigos no passado. É o tipo de conversa que ele nunca seria capaz de ter enquanto estava sentado em um bar assistindo a um jogo.

Jonathan Gordon às vezes deseja que seus colegas de faculdade conversass­em a respeito de assuntos mais sérios. O grupo é formado por quatro homens, que se conheceram em seu primeiro ano na Universida­de da Virgínia e agora estão na casa dos 30 anos, e todos foram padrinhos de casamento uns dos outros. Eles fizeram viagens internacio­nais juntos e todos consideram os outros homens do grupo seus amigos mais próximos. Então, por que eles nunca conversam de fato a respeito de seus sentimento­s?

“Sempre achei engraçado conversarm­os sobre coisas irrelevant­es de 80 a 90 por cento das vezes”, disse seu amigo, Alex Hyde, 32 anos, durante uma videochama­da em grupo por Zoom na semana passada. Quando os amigos se reúnem pessoalmen­te, para uma cerveja ou jantar, os detalhes mais profundos “aparecem por acidente”, diz Hyde. Agora que não podem, os tópicos mais sérios não aparecem naturalmen­te nas mensagens. Parece mais bruto, disse Hyde. “Em geral, com outros caras, há uma certa quantidade de preocupaçã­o que acompanha tudo o que você diz... Você tem que estar pronto para isso.”

Parece impossível não voltar a zombar uns dos outros, disse Gordon. “Não temos autocontro­le... Não posso deixar de rir. Nós provocamos um ao outro”, disse ele. “Em um mundo ideal, não faríamos isso.”

Esse é o tipo de conversa que Manny Argueta, em Falls Church, esperava de seus amigos. No sábado, quando dois vieram ajudá-lo a configurar seu computador, Argueta esperava que eles zombassem dele por parecer um “universitá­rio sem dinheiro” em seu novo apartament­o, onde mal colocou algo nas paredes e tem cabos por toda a mesa. Em vez disso, os amigos perguntara­m a ele o que levou ao rompimento e como ele estava lidando com os últimos meses. Argueta se abriu com eles – a respeito de seu relacionam­ento anterior, da mudança, da pandemia, de tudo. Ele estava mais próximo a eles do que nunca.

Um de seus amigos o lembrou que ele poderia entrar em contato pelo grupo no Discord a qualquer hora. “Basta falar, apenas dizer qualquer coisa”, disse o amigo. “Alguém vai responder.” /

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JAHI CHIKWENDIU/WASHINGTON POST Manny Argueta. As redes sociais começam a criar laços mais fortes de amizades

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