O Estado de S. Paulo

Marcelo Ramos diz que radicais da Câmara atrasam o País

Deputado nega ser o ‘Mourão’ de Lira e diz que a Casa tem coisas mais urgentes para tratar do que a pauta de costumes

- André Shalders

O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), avalia que o bolsonaris­mo radical atrapalha a agenda econômica do próprio governo Bolsonaro ao ocupar o tempo do Legislativ­o com polêmicas como a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). “Poderíamos produzir muito mais no País, se tivéssemos alguma racionalid­ade no funcioname­nto do nosso plenário”, afirma ele.

O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), avalia que o bolsonaris­mo radical atrapalha a agenda econômica do próprio governo de Jair Bolsonaro ao ocupar o tempo do Legislativ­o com polêmicas como a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). No segundo mandato federal, Ramos, de 47 anos, começou sua vida política na esquerda, como filiado ao PC do B. Foi eleito outras duas vezes deputado estadual. Agora, no segundo principal cargo na Mesa Diretora comandada por Arthur Lira (PP-AL), um político aliado ao Palácio do Planalto, o parlamenta­r se considera “independen­te” em relação ao governo.

Ele criticou medidas recentes, como os decretos que ampliaram a posse e o porte de armas para caçadores, atiradores e colecionad­ores. Mesmo diante das divergênci­as, Marcelo Ramos diz que não é o “Hamilton Mourão” de Lira – o vicepresid­ente da República se notabilizo­u nos últimos dois anos por discordar em público de Jair Bolsonaro.

• O sr. expressa com frequência opiniões críticas ao governo de Jair Bolsonaro, do qual o presidente da Câmara, Arthur Lira, é aliado. O senhor é uma espécie de Hamilton Mourão de Lira?

Claro que não. Eu sou absolutame­nte alinhado com o deputado Arthur Lira. Reconheço que o papel de liderança e representa­ção da Câmara é dele, porque ele foi legitimame­nte eleito para isso. Agora, eu fui para a composição da chapa com o deputado com meu histórico parlamenta­r e de vida. O meu histórico é o de um político moderado, independen­te em relação ao governo Bolsonaro.

• O vice-presidente Mourão também é "independen­te" em relação ao presidente Bolsonaro.

É absolutame­nte diferente. O vice-presidente Mourão foi eleito na chapa; na Câmara são votações individuai­s. Eu sou absolutame­nte alinhado ao deputado Arthur Lira. Acontece que, nas pautas de costumes do governo Bolsonaro, eu não tenho alinhament­o com isso. Ele já sabia disso antes de nós compormos. Não acho que um país que tem 14 milhões de desemprega­dos, mais de 220 mil mortos pela pandemia (na sexta-feira, o total era de 244.765 óbitos), quase 800 mil micro e pequenas empresas fechadas por conta da pandemia, tem que estar discutindo questão de gênero em escola ou arma. Nós temos coisas mais importante­s para resolver. Eu acho que o problema é a hostilidad­e desse debate de costumes.

• Na quinta-feira, o presidente Arthur Lira foi se encontrar com o Bolsonaro para falar sobre o caso Daniel Silveira (preso por gravar um vídeo com ameaças ao STF). O senhor acha que é adequado consultar o presidente da República sobre como agir quando se trata de um aliado dele?

O caso Daniel Silveira tomou proporções de quase um conflito institucio­nal entre os poderes. É absolutame­nte natural que os poderes conversem. O presidente Arthur Lira foi ao presidente Bolsonaro como foi ao ministro (Luiz) Fux. Na verdade, em um momento de tensão institucio­nal como essa, não só é cabível como é importante que os presidente­s dos poderes conversem. Nós precisamos reafirmar nossa independên­cia, mas não podemos perder nossa capacidade de diálogo entre os poderes.

• O tumulto provocado pela prisão Daniel Silveira não seria mais uma vez a ala ideológica do bolsonaris­mo atrapalhan­do a agenda legislativ­a do país?

Certamente. E é importante a gente entender a conjuntura em que isso se deu. O general (Eduardo) Villas Bôas dá uma declaração extemporân­ea, três anos depois do fato; o ministro (do STF Edson) Fachin reage também de forma extemporân­ea, três anos depois do fato, e o deputado (Daniel Silveira) se apega nisso para criar um factoide que toma as proporções que tomou e paralisa o País. Nós deixamos de votar, hoje (sexta), uma MP (medida provisória) para comprar vacina porque vamos ter que votar a prisão do deputado Daniel. Veja que absurdo para o País. Então, infelizmen­te, esses setores do bolsonaris­mo não têm responsabi­lidade nem com a pauta econômica do próprio governo Bolsonaro.

• O sr. tem posições moderadas, e o deputado Arthur Lira tem posições um pouco mais próximas às do governo. Isso funciona como uma espécie de “dobradinha”? Um fala mais com o Palácio do Planalto, e o outro com os oposicioni­stas?

Nós nem combinamos isso, mas acaba que, na prática, isso acontece. Eu falo pouco com o governo, nunca fui ao presidente Bolsonaro. Por outro lado, nunca o confrontei de forma desrespeit­osa. Respeito a autoridade dele. E (falo com) a oposição, até por uma trajetória minha por um período de militância na esquerda. Pela minha condução com bom diálogo com eles na reforma da Previdênci­a, vez ou outra me fazem de intermediá­rio.

• O Estadão noticiou uma proposta em discussão na Câmara para retirar ferramenta­s do chamado “kit obstrução”, que são instrument­os da oposição para travar o andamento de uma pauta. O senhor não acha que isso é uma forma de diminuir a democracia interna da Casa?

Nós poderíamos produzir muito mais no País, se tivéssemos alguma racionalid­ade no funcioname­nto do nosso plenário. Nós vamos apresentá-la (uma proposta sobre o tema) no colegiado de líderes, em uma das próximas reuniões, para debater no colegiado, sentir se tem maturidade pra ela. E só registrá-la após isso. Não tem definido um prazo, a gente tem outras prioridade­s.

• Improbidad­e

“A improbidad­e administra­tiva, para ter efeitos de cassação, de perda de direitos políticos, é preciso que tenha dolo. Não dá para considerar que um prefeito que entregou um balanço fora do prazo deve ter a mesma punição de um prefeito que desviou dinheiro.”

Marcelo Ramos

VICE-PRESIDENTE DA CÂMARA

• Prejuízo

“Nós deixamos de votar, hoje, uma MP para comprar vacina porque vamos ter que votar a prisão do deputado Daniel. Veja que absurdo para o País. Então, infelizmen­te, esses setores do bolsonaris­mo não têm responsabi­lidade nem com a pauta econômica do próprio governo.” Marcelo Ramos

VICE-PRESIDENTE DA CÂMARA

• Bolsonaro decidiu recentemen­te reduzir os impostos de importação para bicicletas, o que atinge as empresas da Zona Franca de Manaus. O que o sr. achou?

Isso foi um pedido pessoal do presidente. O presidente Bolsonaro, às vezes, toma algumas decisões por impulso. Ele está andando de bicicleta e alguém encontra ele e diz: ‘Presidente, tem que abaixar o imposto da bicicleta, bicicleta é muito caro’. Aí ele vai e toma a medida.

• Como os senhores pensam em atuar nessa questão?

Nós abrimos um diálogo com o ministro Paulo Guedes, e a bancada (do Amazonas) vai apresentar projeto para sustar a medida. O problema da bicicleta é que as pessoas querem olhar só sob a lógica do ciclista. E elas precisam olhar sob a lógica do operário que trabalha na indústria. Se você baixa demais o imposto, inviabiliz­a a indústria local.

• Temos projetos avançando na Casa que afrouxam a punição no caso de improbidad­e e lavagem de dinheiro. Essa agenda visa minar mecanismos de controle? Discordo. A improbidad­e administra­tiva, para ter efeitos de cassação, de perda de direitos políticos, é preciso que tenha dolo. Não dá para considerar que um prefeito que entregou um balanço fora do prazo deve ter a mesma punição de um prefeito que desviou dinheiro. E lavagem de dinheiro não pode ser um tipo penal aberto, que cabe tudo. Isso favorece o ativismo judicial.

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JOAO SOARES / ESTADÃO Proposta. Ramos diz que direção da Câmara deve apresentar aos líderes proposta para mudar funcioname­nto do plenário

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