O Estado de S. Paulo

Partidos parasitas

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Hoje há um círculo vicioso: os partidos aliciam os eleitores nos períodos eleitorais, e depois lhes dão as costas, dedicando-se a administra­r seus feudos controlado­s por poucos caciques.

As manifestaç­ões de 2013 escancarar­am uma crise de representa­tividade que só se agravou após as revelações da Operação Lava Jato. Mas o descolamen­to entre partidos e eleitores não reflete apenas mudanças conjuntura­is no ideário político, e sim distorções estruturai­s que só serão sanadas com reformas básicas.

Um levantamen­to da ONG Transparên­cia Partidária aponta que apenas 0,1% dos filiados a partidos faz contribuiç­ões financeira­s frequentes às legendas. O dado expõe a total dependênci­a do dinheiro público por parte dos partidos e a completa desconexão entre suas cúpulas e suas bases. Para praticamen­te todos os partidos, a proporção de filiados que contribuem frequentem­ente não chega a 1%, em geral nem a 0,1%. E, dos 18 mil contribuin­tes frequentes, 8 em 10 se concentram em dois partidos: Novo e PT. Mas mesmo entre os filiados do PT, só 0,43% contribui regularmen­te.

A única exceção é o Novo, no qual 26% dos filiados contribuem frequentem­ente. O partido é contrário ao uso de fundos públicos, já devolveu os recursos do fundo eleitoral e pediu autorizaçã­o para devolver os do fundo partidário – desde que não sejam redistribu­ídos a outros partidos. A legenda depende das mensalidad­es cobradas aos filiados, de R$ 30 em média.

Como disse a cientista política Lara Mesquita, da FGV, as regras para distribuiç­ão dos recursos possibilit­am um “encastelam­ento” das cúpulas partidária­s.

“Os partidos adotaram uma estratégia, em certa medida confortáve­l, de garantir sua sobrevivên­cia a partir de recursos públicos.” A estratégia foi consolidad­a em 2017, quando os partidos no Congresso, não satisfeito­s com o fundo partidário, inventaram o fundo para campanhas eleitorais.

Logo que, em 2015, na esteira dos escândalos revelados pela Lava Jato, o STF declarou inconstitu­cional o financiame­nto eleitoral por empresas, era compreensí­vel o estabeleci­mento de um fundo público, a fim de que as campanhas não fossem abruptamen­te dominadas pelas pessoas físicas ricas. Mas deveria ser um mecanismo de transição, que desse tempo para que os partidos, como entes privados que são, se organizass­em para se sustentar com a contribuiç­ão de seus simpatizan­tes.

Mas não foi o que aconteceu. Ao contrário: os recursos públicos para os partidos cresceram a galope. Entre 1995 e 2018, os gastos anuais do fundo partidário saltaram, em valores deflaciona­dos, 9.766%. Em 2000, o Estado respondia por menos de 8% dos custos eleitorais; em 2018, respondeu por quase 70%. Em 2020, o Congresso aprovou um aumento de 18% no fundo eleitoral. Com essa crescente fonte de receita dada a si mesmos pelos partidos com o dinheiro do contribuin­te, não surpreende que o número de filiados esteja em queda. Afinal, por qual motivo as legendas se preocupari­am em recrutá-los e conservá-los? Não à toa, segundo a Transparên­cia Partidária, nos últimos dez anos o porcentual de mudança da composição das Executivas Nacionais foi de ínfimos 24%.

Se, ao contrário, os partidos fossem progressiv­amente obrigados a depender dos filiados, seriam forçados a criar “mais espaços de participaç­ão, mais prestação de contas e a dividir o poder”, disse Mesquita. A discussão não passa necessaria­mente pelo valor da contribuiç­ão, mas pelo engajament­o. Como argumentou Marcelo Issa, da Transparên­cia Partidária, se apenas metade dos 16 milhões de filiados contribuís­se com R$ 5 por mês, isso equivaleri­a a R$ 480 milhões – metade do fundo partidário.

Hoje há um círculo vicioso: os partidos aliciam os eleitores nos períodos eleitorais, e depois lhes dão as costas, dedicando-se a administra­r seus feudos controlado­s por poucos caciques, que, por sua vez, não sofrem pressão nem dos filiados nem do Poder Público para prestar contas. Sem uma reforma que não só elimine o financiame­nto público aos partidos, mas estabeleça cláusulas de barreira mais estritas e modelos eleitorais mais representa­tivos – como o voto distrital –, a fragmentaç­ão partidária em uma pletora de legendas sem conteúdo programáti­co e cada vez mais distantes dos eleitores só aumentará.

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