O Estado de S. Paulo

Murais viram fonte de renda

Quase 15 anos após Lei Cidade Limpa, empenas do centro e da zona oeste são disputadas para intervençõ­es urbanas pagas por grandes empresas e o poder público; Minhocão tem 23 murais prontos ou em produção e condomínio­s do entorno até cobram aluguel da fach

- Priscila Mengue

Quase 15 anos após a Lei Cidade Limpa, que restringiu a publicidad­e urbana na capital paulista, empenas do centro e da zona oeste são disputadas para intervençõ­es urbanas pagas por grandes empresas e o poder público. O Minhocão, por exemplo, tem 23 murais prontos ou em produção e condomínio­s do entorno até cobram aluguel da fachada.

Eles não são mais coloridos pontuais no meio do cinza. Os murais gigantes se multiplica­ram por dezenas de empenas cegas (fachadas laterais sem janelas) deixadas em branco desde a Lei Cidade Limpa, que restringiu a publicidad­e urbana na capital paulista, há quase 15 anos. Mesmo na pandemia, esse segmento vive boom, criando corredores de arte urbana no centro e em trechos da zona oeste. Está também mais profission­alizado e diverso, com produtoras consolidad­as, interesse da iniciativa privada e até incentivo público.

Somente ao longo do Minhocão, por exemplo, há 23 murais prontos ou em produção. O número é maior se somado às quadras do entorno, como da Consolação, e bairros visados, como Pinheiros. Pelas dimensões, esse tipo de intervençã­o exige investimen­to, inclusive por causa dos equipament­os necessário­s. E, no caso de projetos em locais mais visados ou encomendad­os por marcas, há o pagamento do aluguel da fachada. O custo de implantaçã­o pode ultrapassa­r R$ 200 mil.

Na Instagrafi­te, todos os trabalhos são encomendad­os por empresas. “A maior parte da demanda é para fazer empena. É um desafio agradar à marca e não ferir a Lei Cidade Limpa”, diz Marcelo Pimentel, um dos sócios. Para ele, o investimen­to privado pode ter retorno à cidade, se bem feito. Cita o exemplo de um mural com a imagem de artistas transgêner­o que motivou comoção ao ser apagado após o fim do contrato.

“O Minhocão virou um leilão de prédios”, comenta ele, que organiza um festival de arte urbana na Vila Leopoldina, zona oeste, inspirado na iniciativa que transformo­u o bairro de Wynwood, de Miami (EUA), em atração turística.

Por vezes, essa aproximaçã­o entre arte e indústria causa conflitos. Em 2019, dois casos chamaram a atenção: o do produtor que iniciou um movimento para impedir o apagamento de um mural após o fim do contrato e a pintura de uma fachada sem autorizaçã­o do dono.

Em dezembro, empresas foram autuadas pela pintura de duas empenas com personagen­s de videogame, com multas somadas de mais de R$ 1 milhão. Na Comissão de Proteção à Paisagem Urbana (CPPU), órgão municipal que legisla sobre anúncios em espaços públicos, denúncias sobre empenas não são incomuns, e envolvem ainda projeções irregulare­s.

Entre as empresas, o discurso é de posicionam­ento de marca e contribuiç­ão à cidade. A Fanta, por exemplo, lançou seis murais no Minhocão neste ano criados por personalid­ades como Carlinhos Brown e Marcia Tiburi. “A marca está em um movimento que a gente traduziu no Brasil como ‘galera com mais cores’. As pessoas que estiverem passando (pela via) vão vivenciar o que a marca acredita”, justifica Pedro Abbondanza, diretor de marketing. A proposta também envolve ações em redes sociais e parcerias com influencia­dores digitais.

Outra iniciativa privada foi a da implantaçã­o de dois grafites gigantes pela Veloe na Rua da Consolação e na Avenida Rio Branco, também no centro. Ambos têm predominân­cia dos dois tons de azul da empresa. “Tudo o que é do interesse de ir e vir, de mobilidade urbana, tem a ver com o que a gente gosta”, afirma o diretor geral André Turquetto. “No briefing, os artistas tiveram uma integração forte, fizeram um mergulho profundo no DNA da marca. Mas não tem o objetivo de fazer publicidad­e de marca”, afirma.

Fomento. Também há apoio público no setor. Somente a Prefeitura da capital paulista apoiou 12 novos murais em empenas no ano passado para o que chama de Museu de Arte de Rua (MAR), com investimen­to de R$ 2,2 milhões em 53 obras (incluindo também muros e outros suportes). Uma nova edição ocorrerá em 2021, com o objetivo de apoiar um “patrimônio cultural da cidade”, segundo o Município.

Um dos selecionad­os foi o projeto que levou seis artistas a pintar empenas inspiradas em Tarsila do Amaral em paralelo a uma mostra da artista no Masp. “Por mais que a gente soubesse que o museu estaria cheio, milhões nem pensaram em entrar para ver. Pensei em como chegar a mais gente”, lembra Luciana Branca, da hub de comunicaçã­o Em Branco, que representa a família da pintora e não tinha experiênci­a anterior com arte urbana. “Entrou no radar para outras ações”, afirma.

Já Pedro Frazão, da produtora Parede Viva, está em processo de implementa­r cinco murais na capital e no interior, por meio de um edital do Estado. Em 2020, com fomento municipal, organizou a criação de uma obra no centro com a lama espalhada pelo rompimento da barragem de Brumadinho (MG) em 2019. Por ter essa proposta socioambie­ntal, ele diz fazer “artivismo”. “Uso a arte como ferramenta para meus ativismos”, diz.

 ??  ??
 ?? FOTOS: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO ?? Corredores. Minhocão e outros pontos de grande fluxo da região central são os mais procurados para criação de murais gigantes em São Paulo
FOTOS: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO Corredores. Minhocão e outros pontos de grande fluxo da região central são os mais procurados para criação de murais gigantes em São Paulo
 ??  ?? Arte. Grafites podem transmitir mensagem sem ferir a lei
Arte. Grafites podem transmitir mensagem sem ferir a lei

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil