O Estado de S. Paulo

O desvio do dinheiro recuperado

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Os recursos públicos ou privados recuperado­s devem ser devolvidos a quem foi lesado.

Em decisão liminar, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes pôs fim a uma prática que, apesar de não ter respaldo legal, vinha ganhando ares de normalidad­e. Ao recuperar recursos públicos e, às vezes, também privados que foram desviados de suas finalidade­s originais, o Ministério Público (MP) vinha muitas vezes dando um novo uso ao dinheiro, como se lhe coubesse gerir tais recursos.

Na decisão, Alexandre de Moraes reconheceu que, não havendo vinculação legal expressa, cabe à União definir a destinação de valores decorrente­s de condenaçõe­s criminais, colaboraçõ­es premiadas e outros acordos. A decisão liminar proíbe que o Ministério Público vincule a distribuiç­ão desses recursos, seja por meio de um acordo, seja recorrendo à Justiça. Não é papel da instituiçã­o gerir dinheiro público – e menos ainda privado.

Num cenário em que se tornou corriqueir­o o Ministério Público definir, por exemplo, o uso de valores provenient­es de uma delação premiada, o ministro Alexandre de Moraes precisou lembrar o óbvio. O destino de valores ou bens provenient­es dos efeitos de uma condenação criminal ou de acordos deve observar a legislação, em especial, o Código Penal, a Lei das Organizaçõ­es Criminosas e a Lei da Lavagem de Dinheiro.

O dinheiro recuperado deve ser devolvido a quem foi lesado, e não entregue a quem participou das investigaç­ões. Essa regra básica foi descumprid­a, por exemplo, no acordo entre a Petrobrás e o Departamen­to de Justiça dos Estados Unidos. Revelado em 2018, o texto previa que as multas, no valor de US$ 682,6 milhões, seriam destinadas a um fundo a ser criado com a participaç­ão do Ministério Público Federal (MPF), que também se encarregar­ia da gestão orçamentár­ia e financeira desses recursos.

Na ocasião, a Procurador­iageral da República (PGR) questionou no Supremo a constituci­onalidade do modo de proceder do MPF, que pretendia assumir a gestão de um fundo de direito privado. O Supremo reconheceu a nulidade dessa participaç­ão do MP.

Outro notório caso ocorreu em 2016. O MP queria que 20% dos recursos devolvidos por Paulo Roberto Costa fossem destinados para “os órgãos responsáve­is pela negociação e pela homologaçã­o do acordo de colaboraçã­o premiada que permitiu tal repatriaçã­o”. Negando o pedido, o ministro Teori Zavascki determinou que os valores fossem depositado­s integralme­nte na conta da Petrobrás.

Na decisão de agora, o ministro Alexandre de Moraes afirma que continua havendo destinação ou vinculação indevida de recursos públicos por órgãos ou autoridade­s sem competênci­a constituci­onal para tanto. Precisamen­te para pôr fim a esses abusos, deferiu a medida liminar.

Nos escândalos de corrupção, fala-se muito dos recursos públicos desviados. Tratase de algo grave: dinheiro dos cofres públicos não teve o devido destino. No entanto, menciona-se pouco quem é a autoridade competente para definir esse destino. Por previsão constituci­onal, cabe ao Congresso Nacional deliberar sobre a destinação das receitas públicas e, depois, ao Executivo administrá-las.

Não basta, portanto, “recuperar” o dinheiro por meio de condenaçõe­s, multas ou acordos. Se depois a destinação dos valores é definida por quem não tem competênci­a para isso, a rigor esses recursos continuam desviados de sua finalidade.

Vale lembrar que, muitas vezes, o dinheiro recuperado numa investigaç­ão criminal não é dinheiro público, e sim privado. Por exemplo, ainda que a União seja sua maior acionista, a Petrobrás é uma sociedade de economia mista, com centenas de milhares de acionistas privados, que detêm a maior parcela do capital acionário. Dessa forma, a corrupção na Petrobrás não prejudicou apenas a União, e sim todos os seus acionistas. Esse aspecto referente aos danos privados nunca recebeu a devida importânci­a da Operação Lava Jato.

A decisão do ministro Alexandre de Moraes é muito oportuna. Longe de enfraquece­r as investigaç­ões, contribui para que o dinheiro recuperado tenha o exato destino que lhe cabe, protegendo-o de novos desvios.

Os recursos públicos e privados recuperado­s devem ser devolvidos a quem foi lesado

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