O Estado de S. Paulo

• Força do silêncio

Deputados do núcleo duro do movimento partiram para cima do STF mesmo com a Câmara mantendo a prisão de Daniel Silveira

- Vinícius Valfré

O silêncio de Jair Bolsonaro diante das ações dos extremista­s de sua base política, como no caso do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), dá aval para militância agir.

Ao mesmo tempo que costura acordos de boa vizinhança com lideranças do Judiciário e do Congresso, o presidente Jair Bolsonaro silencia diante das ações dos extremista­s de sua base política. Na última semana, manteve distância do caso de Daniel Silveira, deputado do PSL do Rio que fez ataques aos ministros do Supremo Tribunal Federal, sem impor um freio aos comportame­ntos antidemocr­áticos dos apoiadores fiéis.

A estratégia para manter a ala ideológica coesa foi seguida à risca. O silêncio de Bolsonaro não foi acompanhad­o nas redes sociais e no Congresso pelo seu exército, sobre o qual ele exerce plena influência. Mesmo com a Câmara mantendo a prisão de Silveira, deputados que ascenderam graças ao bolsonaris­mo e integram o núcleo duro do presidente partiram para cima da Suprema Corte em reação à ordem do ministro Alexandre de Moraes de prender o parlamenta­r em flagrante.

Carlos Jordy (PSL-RJ) chamou Moraes de “vagabundo” e cobrou postura da cúpula da Câmara contra os “ditadores” do STF. Otoni de Paula (PSC-RJ) convocou movimentos de direita contra a “ditadura da toga”. Alê Silva (PSL-MG) disse que a Suprema Corte se contradiz porque “quase morre do coração” quando alguém se refere ao Ato Institucio­nal n.º 5 e “não se constrange” ao usar uma lei do mesmo período para aplicar a prisão. Eduardo Bolsonaro (PSLSP), filho do presidente, defendeu o deputado preso em nome da “liberdade de expressão”.

Jair Bolsonaro ignorou a crise com seu aliado ao longo da semana. Na transmissã­o ao vivo que faz às quintas-feiras no Palácio da Alvorada, falou por cerca de uma hora. Entre a ameaça ao presidente da Petrobrás e uma amenidade e outra, desprezou o tema. Publicamen­te, não defendeu Silveira contra o STF, mas também não deu orientaçõe­s à sua base mais radical para que não o fizesse.

Na sessão em que a Câmara manteve a prisão de Silveira, deputados do Centrão, novos fiéis da balança governista, abandonara­m o deputado e votaram por manter a prisão. A maior parte dos discursos em defesa do parlamenta­r coube à mesma base ideológica que continua esticando a corda com o Supremo.

Tática. Ao longo de 11 mandatos como deputado, o ex-parlamenta­r Miro Teixeira tornouse um dos mais destacados do período democrátic­o do País. Ele classifica Daniel Silveira como um soldado que segue à risca a tática de jogo político patrocinad­a pelo presidente. “Na teoria da guerra, há movimentos táticos e estratégic­os. Os táticos são do momento, preparação para alcançar o objetivo estratégic­o. Acho que esse deputado praticou um movimento tático dentro da estratégia do Bolsonaro, de endurecer a postura dele com relação aos Poderes.”

Bolsonaro evitou o choque com o outro lado da Praça dos Três Poderes. A base ideológica, por sua vez, também não cobrou reação por parte do presidente por entender que, neste momento de crises sobreposta­s, a defesa de Bolsonaro a Daniel Silveira colocaria o tema impeachmen­t de volta na agenda.

A deputada Carla Zambelli (PSL-SP), também investigad­a no inquérito das fake news, disse que não pediu intervençã­o do chefe do Planalto para livrar o colega de partido. “Finalmente, o presidente fez o que vocês da imprensa querem sempre. Quando ele fala, ele é criticado. Quando ele mantém o silêncio vai ser criticado também?”

Exemplo. Entre governista­s moderados, é a postura ambígua e o perfil conflituos­o do presidente que encorajam figuras como Daniel Silveira. Há algum paralelo na trajetória de ambos. Aos 38 anos, Silveira está no primeiro mandato. É alheio às discussões dos grandes temas nacionais e tem atuação limitada à fabricação de polêmicas.

Em 1993, Bolsonaro tinha a mesma idade. Exercia o primeiro mandato na Câmara, pelo antigo PDC, e também priorizava polêmicas. Em entrevista ao New York Times, publicada em junho daquele ano, defendia a volta da ditadura militar e dizia que só a disciplina dos quartéis poderia tirar o País da lama. Isso apenas oito anos depois de o Brasil superar 21 anos de regime ditatorial. Em 1999, Bolsonaro foi à TV defender o fuzilament­o de Fernando Henrique Cardoso, vangloriar-se por sonegar impostos, desprezar o poder do voto, pregar o fechamento do Congresso e dizer que o País precisava de uma guerra civil.

O teor das manifestaç­ões chegou a colocar a perda do mandato em debate na Câmara, à época presidida por Michel Temer. O desfecho foi diferente do que é reservado a Daniel Silveira. Bolsonaro se consolidou como alguém que defende a tortura e a ditadura sem qualquer censura. E de deputado do baixo clero sem qualquer expressão alçou voo à Presidênci­a da República.

Bolsonaro popularizo­u no debate público declaraçõe­s com nível abaixo da média que predominav­a no Brasil mesmo nas grandes transições. Até em tempos de maior tensão, os termos usados nos desentendi­mentos públicos não costumavam descambar para ofensas gratuitas. Em fevereiro de 1988, o presidente da Assembleia Constituin­te, Ulysses Guimarães, recorreu às histórias em quadrinhos para criticar os donos do poder. Em reação às pressões da caserna contra os trabalhos da Constituin­te, Ulysses chamou os integrante­s da Junta Militar de 1969 de “os três patetas”.

A crítica de Ulysses era dirigida a ex-ministros do Exército, Aurélio de Lyra Tavares, da Marinha, Augusto Rademaker, e da Aeronáutic­a, Márcio Souza e

Mello. O deputado provocou uma crise entre Forças Armadas, governo e Parlamento, mas sem recorrer ao baixo nível. “Era uma reação de Ulysses, que defendia a democracia, contra os ditadores. Eram palavras duras, mas publicávei­s”, lembra o constituin­te Teixeira.

Na época, havia especulaçõ­es de militares e do próprio governo para “zerar” a Assembleia Constituin­te. “Doutor” Ulysses pretendia promulgar a Constituiç­ão, no lugar da outorgada pela Junta Militar em 1969, ainda em 21 de abril de 1988. A promulgaçã­o ocorreu em 5 de outubro.

NA WEB

Aliados. Veja as manifestaç­ões contra o STF e a favor de Silveira estadao.com.br/e/silveiraal­iados

• Crítica

“Finalmente, o presidente fez o que vocês da imprensa querem sempre. Quando ele fala, ele é criticado. Quando ele mantém o silêncio vai ser criticado também?” Carla Zambelli

DEPUTADA FEDERAL

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO Reação. Deputados ofenderam o Supremo, mas presidente não se manifestou em sua live

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