O Estado de S. Paulo

Carlos Pereira

- CARLOS PEREIRA E-MAIL: CARLOS.PEREIRA@FGV.BR CARLOS PEREIRA ESCREVE QUINZENALM­ENTE ÀS SEGUNDAS-FEIRAS

Insatisfei­tos com o governo têm defendido a necessidad­e de formação de uma frente supraparti­dária de oposição.

Na ausência de blocos e troças carnavales­cas nas ruas nesse carnaval da pandemia, o que predominou foi a melancolia de seus foliões. Por outro lado, para diminuir o vazio no coração dos seus brincantes, o que não tem faltado são partidos querendo cacifar seus candidatos a presidente para as eleições de 2022. Insatisfei­tos com o governo de Jair Bolsonaro têm defendido a necessidad­e de formação de uma frente supraparti­dária de oposição ao presidente. O objetivo seria viabilizar uma candidatur­a única capaz de derrotá-lo. Acredita-se que se os partidos de oposição se apresentar­em pulverizad­os, cada um com seu “bloco” (ops! candidato) à Presidênci­a, Bolsonaro teria maiores chances de se reeleger. Mas a viabilidad­e de uma frente única de oposição é improvável.

Partidos políticos em ambiente institucio­nal que combina presidenci­alismo e multiparti­darismo vivem um dilema de difícil resolução: seguir uma trajetória protagonis­ta/majoritári­a, ao apresentar um candidato à Presidênci­a; ou jogar o jogo de partido coadjuvant­e, tentando exercer o papel de pivô ou de mediano do Legislativ­o.

Se o partido for vencedor na trajetória majoritári­a certamente terá acesso aos maiores retornos políticos. Mas se perder, terá que estar preparado para comer “o pão que o diabo amassou” e amargar a condição de majoritári­o perdedor com os piores retornos pelos próximos quatro anos, nutrindo a expectativ­a de se tornar majoritári­o vencedor nas próximas eleições. Por outro lado, se o partido decidir seguir a trajetória de legislador mediano e ocupar a posição de âncora no Legislativ­o, pode auferir retornos intermediá­rios entre os obtidos pelos majoritári­os vencedor e perdedor.

A escolha de uma determinad­a trajetória não é uma camisa de força. Partidos podem mudar de trajetória, mas estas mudanças geram custos não triviais.

Por exemplo, um partido pivô no Legislativ­o que decide mudar de trajetória para jogar o jogo majoritári­o corre o risco de perder a próxima eleição presidenci­al e assim obter uma recompensa menor do que obteria se tivesse continuado a jogar o jogo coadjuvant­e. Da mesma forma, se um partido trilha a trajetória majoritári­a e fracassa, pode mudar de trajetória e começar a jogar o jogo do partido coadjuvant­e. Mas, dependendo de quão amarga e competitiv­a foi a campanha presidenci­al, pode levar mais tempo para que o perdedor majoritári­o envergonha­do construa pontes de confiança e de cooperação com o vencedor majoritári­o.

O racha ocorrido com o DEM na eleição do Presidente da Câmara expressa muito bem esse dilema. Rodrigo Maia tentou alçar o DEM a um voo rumo ao protagonis­mo, talvez com a candidatur­a de Luciano Huck à presidênci­a. Mas a bagagem pesada — sua trajetória mediana — obrigou o partido a uma aterrissag­em de emergência num descampado no interior da Bahia... A maioria do DEM, sob a liderança de ACM Neto, simplesmen­te preferiu continuar na sua trajetória coadjuvant­e. Os riscos e custos de mudança de trajetória seriam altos demais. O mesmo comportame­nto se espera do MDB, PSD, PTB, PSB, PC do B e aos partidos que compõem o Centrão.

Por outro lado, partidos como o PT e PSDB, que têm trilhado de forma consistent­e a trajetória majoritári­a desde o seu nascimento, seja na condição de perdedor ou de vencedor, fatalmente terão candidatos à presidênci­a em 2022. Raciocínio semelhante a aplica a partidos como PDT, PSOL, Novo e Rede.

Partidos têm muita dificuldad­e de abrir mão de suas ambições individuai­s, ainda que legítimas, e se engajar em um projeto coletivo que, supostamen­te, beneficiar­ia a todos. A busca pelo protagonis­mo faz parte do DNA desses partidos, daí ser improvável a mudança de trajetória.

O DNA importa na escolha da trajetória partidária

CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR TITULAR DA ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRA­ÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS (FGV EBAPE)

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