O Estado de S. Paulo

Postura de Bolsonaro busca manter relações com demais Poderes

Essa é a análise de especialis­tas, que veem tática também como uma forma de preservar a base para reeleição

- / V.V

A postura de Jair Bolsonaro no caso de Daniel Silveira tem a ver, no primeiro plano, com uma busca por bom relacionam­ento com os demais Poderes e pelo cultivo de uma base radical que pode colocá-lo em um eventual segundo turno da disputa de 2022. “Ao ficar em silêncio, ele não desagrada o setor mais fiel, como também não cria atrito com o STF”, analisa o sociólogo e cientista político Paulo Baía, da UFRJ.

Por outro lado, o jogo duplo do presidente – moderado em Brasília e apoiador de radicais nas redes – é um método por meio do qual ele não desperdiça a oportunida­de de propagar sua forma de fazer política. É um estilo que exige vigilância permanente, segundo adversário­s, por causa dos arroubos que o acompanham desde a época nos quartéis. Na avaliação do ex-senador Cristovam Buarque, Bolsonaro tem uma preocupant­e “vocação autoritári­a”.

“O silêncio é uma ambiguidad­e que não merece a confiança dos democratas”, disse. “A vocação autoritári­a faz ele simpatizar plenamente com esse deputado. Não podemos confiar no silêncio dele”, ressaltou. “Ele está em silêncio enquanto achar que as instituiçõ­es têm força.”

O silêncio de Bolsonaro agora remete a outro episódio de atrito com o Judiciário, em junho de 2020. O prédio do STF foi alvo de uma chuva de fogos de artifício lançados por grupos de apoiadores do presidente. O ato gerou apreensão em Brasília por receio de escalada da violência contra críticos do governo e das instituiçõ­es. Uma manifestaç­ão de Bolsonaro desencoraj­ando sua claque era esperada na Praça dos Três Poderes, mas não apareceu.

A falta de repreensão incomodou até mesmo auxiliares do governo que trabalham por estabilida­de na relação com o Judiciário. O presidente fez ouvidos de mercador e deixou livre a militância. Quando convém, contudo, ele manobra os apoiadores e direciona a narrativa dos militantes nas redes sociais. Foram os gestos dele que transforma­ram os ex-ministros Sérgio Moro e Luiz Henrique Mandetta de aliados em “traidores” e “marqueteir­os”, mesmo sem terem rompido ou criticado o presidente enquanto nomeados no primeiro escalão.

Em maio passado, mais uma vez, Bolsonaro deu sinal verde à brutalidad­e por parte de extremista­s. Jornalista­s foram agredidos enquanto trabalhava­m na cobertura de uma manifestaç­ão pró-governo com pautas antidemocr­áticas e inconstitu­cionais, em frente ao Palácio do Planalto. O presidente jamais repreendeu publicamen­te os agressores, nem recomendou que os radicais respeitass­em o papel da imprensa livre. Pelo contrário, reiteradam­ente, ele mesmo incentiva ataques. Na semana passada, em meio à crise sanitária e econômica, apareceu em uma transmissã­o ao vivo de Eduardo Bolsonaro defendendo o fechamento de jornais.

Eduardo é alvo de duas representa­ções no Conselho de Ética da Câmara. Uma delas, movida pelo PSOL e pela Rede, pede a perda do mandato por entender que ele quebrou o decoro parlamenta­r ao sugerir um “novo AI-5”, se “a esquerda radicaliza­r”. A denúncia está parada há mais de um ano, em razão da suspensão dos trabalhos do colegiado, provocada pela pandemia de covid-19. As reuniões serão retomadas na próxima terça.

• Análises

“Ao ficar em silêncio, ele não desagrada o setor mais fiel, como também não cria atrito com o STF.” Paulo Baía

CIENTISTA POLÍTICO

“Ele está em silêncio enquanto achar que as instituiçõ­es têm força.” Cristovam Buarque

EX-SENADOR

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