O Estado de S. Paulo

Sucesso no exterior e internet ajudam a difundir grafite

Em uma década, grafite deixou de ser crime para se tornar arte com aceitação popular e também apelo comercial

- /P. M.

Quem trabalha no meio artístico conta que cinco ou seis anos atrás era até difícil explicar o porquê de fazer um mural. Por vezes, era preciso mostrar fotos de intervençõ­es fora do País e justificar as vantagens, como reduzir custos de manutenção e valorizar o edifício e o entorno.

Hoje, há relatos até de prédios que se oferecem para receber intervençõ­es. Tudo isso em uma cidade com centenas de empenas cegas (fachadas laterais sem janelas, exigidas por legislaçõe­s de décadas atrás) que ficaram vazias com o banimento de anúncios em 2006.

“Virou um movimento muito maior e mais organizado”, relata o muralista Eduardo Kobra. “São Paulo é uma das cidades com maior concentraç­ão em relação até a países de primeiro mundo. Fico surpreso com a velocidade que acontece”, diz.

Embora faça trabalhos autorais, ele costuma procurar patrocínio para as obras, por causa dos custos envolvidos. “Pintar um prédio é diferente de um muro. Precisa de tempo maior, de andaimes, balancins, tem toda uma questão logística. Propor que os artistas banquem isso é muito difícil”, argumenta.

Pesquisado­r do tema e autor do livro Graffitis em múltiplas facetas, o historiado­r William da Silva e Silva atribui a maior aceitação à arte urbana à projeção internacio­nal de Kobra, da dupla Os Gêmeos e outros artistas brasileiro­s. “Passou a aparecer na mídia, virou tema de pesquisas científica­s, de artes plásticas, de linguístic­a”, destaca. Um exemplo que dá é o uso de referência­s à arte urbana até na confecção de roupas, louças e outros produtos. “Muita coisa que tinha antes não deixou de existir, ficou mais amplo, com um braço comercial.”

O suporte também se diversific­ou, chegando ao mobiliário urbano e outras plataforma­s, destaca. Nesse aspecto, as empenas oferecem ainda mais visibilida­de, pelas dimensões, que permitem serem avistadas a longas distâncias. “Os grafiteiro­s e as empresas veem nisso a oportunida­de de difundir ainda mais sua mensagem.”

Professor de História da Economia na Unifesp e pesquisado­r de História Urbana, Fábio Alexandre dos Santos pontua também que esse movimento deriva da descrimina­lização do grafite, há 10 anos. “Acabou incorporad­o por uma elite econômica e cultural, que percebeu o aspecto artístico, fazendo uma diferencia­ção com a pichação.”

Além disso, o muralismo cresceu em paralelo às redes sociais, não só tendo um acesso digital a novos públicos, mas se tornando um atrativo também por sua aparência “instagramá­vel”. “Agora, ele não está mais só na cidade, fisicament­e, mas no mundo inteiro.”

Para o professor, contudo, é necessário desenvolve­r políticas públicas no setor para garantir que essas intervençõ­es atendam aos interesses da sociedade, não apenas aos de grandes marcas, que costumam utilizar os murais para veiculação de produtos nas mídias. “Existe hoje uma economia do grafite na cidade, apesar de haver oscilações de acordo com cada prefeito”, afirma Santos.

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