O Estado de S. Paulo

A autonomia do Banco Central

- •✽ CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ

Openoso caminho até a autonomia do Banco Central (BC) começou mesmo antes de sua criação (Lei 4.595/64). Roberto Campos – o avô, não o neto, que hoje dirige com competênci­a a instituiçã­o – defendia que seus diretores tivessem mandatos fixos, não coincident­es com o do presidente da República. Campos não logrou seu objetivo, mas foi um dos principais idealizado­res das normas legais que possibilit­aram o desenvolvi­mento do sistema financeiro nacional em bases modernas.

Desde então, a autonomia do BC não saiu do debate. Posições populistas e equivocada­s levaram ao fracasso de várias tentativas de aprová-la. Basta lembrar o bordão “agora querem entregar o BC aos banqueiros”, um erro lógico primário, pois a história mostra que os grandes vilões da política monetária no mundo foram os governante­s populistas. Crises bancárias e negligênci­a com a inflação tiveram custo enorme para a sociedade, principalm­ente para os mais pobres.

No entanto, é preciso olhar o outro lado da moeda. Economista­s que se declaram ortodoxos têm criticado, erroneamen­te, a meu ver, o projeto aprovadona­câmara,tachandode­desnecessá­ria e populista parte do parágrafo único do art. 1.º, aqui transcrito: “Sem prejuízo de seu objetivo fundamenta­l o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilida­de e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego” (grifo meu). Observe-se que o objetivo fundamenta­l, constante do caput do artigo, é a estabilida­de de preços.

Zelar pela estabilida­de e eficiência do sistema financeiro já faz parte do arcabouço legal vigente. Vejamos os outros dois objetivos.

O segundo, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica, enriquece, no lugar de reduzir, a autonomia.

Em primeiro lugar, porque funciona dos dois lados. O BC pode endurecer a política monetária para evitar booms exagerados que aticem a inflação ou ser arrojado com a redução dos juros, nas fases de escassez de demanda, evitando longos períodos de aumento acentuado no desemprego.

Em segundo lugar, porque a suavização das flutuações da atividade econômica está de acordo com as numerosas constataçõ­es empíricas internacio­nais sobre a existência de histerese do ciclo econômico.

Em física, histerese pode ser entendida como “retardo” ou, de acordo com o Dicionário Houaiss, “fenômeno apresentad­o por determinad­os sistemas físicos cujas propriedad­es dependem de sua história precedente”. Em economia, significa que os ciclos econômicos acentuados podem, de fato, afetar a taxa de cresciment­o de longo prazo, ao contrário do que a teoria, até pouco tempo dominante, apregoava.

Há vários canais pelos quais a histerese pode se manifestar, dentre os quais, destacam-se: (1) longos períodos de desemprego acentuado resultam em perdas de habilidade­s e desatualiz­ações, erodindo o estoque de capital humano; (2) maior e mais rápida obsolescên­cia do estoque de capital; (3) fuga de cérebros; (4) redução da autoestima e das expectativ­as dos trabalhado­res, que se acostumam no subemprego ou na informalid­ade; (5) piora das expectativ­as, diminuindo a disposição de assunção

Aprovada pela Câmara, é um importante avanço institucio­nal no Brasil

de riscos, entre vários outros.

Finalmente, tendo a concordar que o terceiro objetivo, fomentar o plenoempre­go, é desnecessá­rio, porque os bancos centrais que adotam o regime de metas já levam em conta, em seus modelos, o grau de sacrifício imposto pelas políticas monetárias contracion­istas. No entanto, há exagero no entendimen­to de que o BC poderia ser cobrado judicialme­nte por isso. O projeto de lei fala em pleno-emprego, não em desemprego nulo. Não há meta quantitati­va para a taxa de desemprego. Caberá ao BC estimar qual é a taxa compatível com seu objetivo fundamenta­l, a estabilida­de de preços.

A autonomia do BC, tal como foi aprovada na Câmara, é um importante avanço institucio­nal no Brasil.

✽ ECONOMISTA E DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORE­S. FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁ­RIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA.

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