O Estado de S. Paulo

Acionistas temem maior ingerência política na estatal

Especialis­tas esperam queda forte nas ações da empresa hoje e perdas ainda maiores se houver interferên­cia na política de preços

- Fernanda Nunes

A interferên­cia do presidente Jair Bolsonaro na Petrobrás, com o anúncio da troca do presidente Roberto Castello Branco pelo general da reserva Joaquim Silva e Luna, espalhou temor entre os acionistas minoritári­os da empresa. Apenas na sexta-feira, antes de o anúncio da troca ser oficializa­do, o valor de mercado da empresa caiu de R$ 383 bilhões para R$ 354,8 bilhões. A expectativ­a é de que caia ainda mais nesta segunda-feira. E a avaliação é que, se os próximos passos do governo forem no sentido de interferir na política de preços dos combustíve­is, essa queda será potenciali­zada, trazendo fortes perdas.

Para o presidente da Associação de Investidor­es no Mercado de Capitais (Amec), Fábio Coelho, o episódio da última sexta-feira, com a demissão do presidente da Petrobrás pelas redes sociais, é uma demonstraç­ão de “abandono de práticas consagrada­s de governança”. As críticas são, principalm­ente, quanto ao modo como a demissão aconteceu, sem que o conselho de administra­ção tivesse oportunida­de para, internamen­te, avaliar a indicação do general Luna ao cargo, antes de ela ser anunciada publicamen­te. “O ponto que chamou mais atenção não foi exatamente a qualificaç­ão profission­al do novo presidente, mas o desrespeit­o ao conselho de administra­ção”, acrescento­u.

A Amec e o Instituto Brasileiro de Governança Corporativ­a (IBGC) divulgaram nota conjunta na qual destacam a preocupaçã­o dos minoritári­os com uma possível interferên­cia política no comando da estatal. “Nessas situações, a observânci­a de práticas consagrada­s de governança corporativ­a se torna ainda mais relevante para garantir que os interesses de todos – acionista controlado­r, investidor­es e outras partes interessad­as – sejam levados em consideraç­ão”, diz a nota.

O ataque a Castello Branco começou ainda na quinta-feira, depois de a estatal ter anunciado novo reajuste no preço do óleo diesel. Bolsonaro passou, então, a dar declaraçõe­s de que iria mexer na empresa. O combustíve­l é a principal fonte de custo dos caminhonei­ros, uma das suas bases eleitorais com mais poder de pressão sobre a economia. Em sua defesa, a Petrobrás argumenta que segue uma política de paridade internacio­nal, em que os seus valores de venda no Brasil acompanham as cotações do petróleo nas principais bolsas de negociação do mundo.

A primeira reação do mercado foi de descontent­amento com a atitude de Bolsonaro. Agora, os minoritári­os avaliam os riscos de uma ingerência política no dia a dia da estatal.

Valor de mercado. Caso a avaliação dos minoritári­os seja de que a atual política de preços da Petrobrás e o programa de venda de ativos vão ser abandonado­s, as ações tendem a derreter ainda mais e conduzir a companhia a uma retração do valor de mercado superior aos R$ 28 bilhões registrado­s na sexta-feira. Mas, se a sinalizaçã­o for de continuida­de das principais bandeiras da atual gestão, os papéis devem sofrer apenas algum desconto, segundo os analistas.

“Não me surpreende­ria se o valor de mercado caísse agora 15% (cerca de R$ 50 bilhões). O que não pode é, por exemplo, alguém falar de repente que o aumento do preço dos combustíve­is anunciado pela Petrobrás na última semana não vai ser aplicado. Mas, se o novo presidente da empresa mantiver a política de preço de paridade internacio­nal (PPI), o que vai acontecer é que o mercado vai dar um desconto na ação relativo à percepção de risco”, avalia Glauco Legat, analista-chefe da Necton Investimen­tos.

Para Cristiano Costa, analista da J Global Energy, a tendência é que o governo queira controlar a Petrobrás. “A Petrobrás segurava o preço do combustíve­l porque estava fazendo dinheiro com a produção de petróleo. Então, um bolso segurava o outro. Mas, para o acionista, isso não é positivo. Não vejo com bons olhos no longo prazo.”

Ontem, a XP rebaixou a recomendaç­ão das ações da Petrobrás de “neutro” para “venda”, por conta das mudanças. Também revisou o preço alvo do papel de R$ 32 para R$ 24. “Vemos esse anúncio (da troca de presidente) como uma sinalizaçã­o negativa, tanto de uma perspectiv­a de governança, dados os riscos para a independên­cia de gestão da Petrobrás, como também por implicar riscos de que a companhia continue a praticar uma política de preços de combustíve­is em linha com referência­s internacio­nais de preços, ou seja, que reflitam as variações dos preços de petróleo e câmbio”, diz, em relatório, o analista Gabriel Francisco.

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ANDRE DUSEK/ESTADAO-1/3/2018 Direção. Joaquim Silva e Luna foi indicado na sexta-feira para o comando da Petrobrás

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