O Estado de S. Paulo

A autonomia do Banco Central pode ajudar os investimen­tos no Brasil?

Alteração é vista por especialis­tas como positiva para reduzir o risco e a taxa de juros de longo prazo no País

- Isaac de Oliveira

Após 30 anos de debate, o Congresso Nacional aprovou o projeto de autonomia do Banco Central (BC). Agora, o texto segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro. Para o mercado financeiro, a mudança será positiva por afastar os riscos de ingerência política sobre a instituiçã­o. Na avaliação de economista­s ouvidos pelo E-investidor, é possível que a mudança tenha impacto sobre diversas classes de investimen­tos, uma vez que, em tese, a autonomia do BC poderá achatar a curva de juros de longo prazo.

Essa expectativ­a, é importante destacar, não parte de uma mudança de atribuição da autoridade monetária brasileira, no sentido de que o BC agora vai reduzir os juros de longo prazo. Na verdade, o que poderá diminuir são os prêmios de risco embutidos na curva de longo prazo, por conta da redução da possibilid­ade de interferên­cia do governo na política monetária.

“A autonomia é muito positiva, porque dá para o mercado financeiro uma confiança maior de que o BC vai respeitar a sua política, em vez de, eventualme­nte, sofrer o risco político de um presidente da República querer trocar o presidente da instituiçã­o por não estar alinhado com os desejos do governo”, afirma Michael Viriato, professor de finanças do Insper.

A curva de juros decorre de um gráfico, que indica quanto é a expectativ­a dos juros em determinad­o período de tempo futuro. Isso vale tanto para os juros de um título de renda fixa, com diferentes vencimento­s, como para os retornos exigidos por quem empresta recursos.

Apesar de haver uma expectativ­a positiva, os especialis­tas lembram que a autonomia, por si só, não garantirá esse efeito de achatament­o da curva, uma vez que existem outros componente­s influencia­ndo a dinâmica da curva, além dos prêmios de risco. É o caso da inflação e dos juros reais.

“A independên­cia do BC dá uma garantia de que a instituiçã­o vai zelar para que a inflação no longo prazo não saia do controle, que não vai sofrer pressões políticas para que essa inflação seja desviada para cima por qualquer que seja o objetivo do Executivo em um determinad­o momento do tempo. E isso tem um impacto de reduzir o prêmio que o investidor pede para poder alongar os seus investimen­tos em relação a uma aplicação de curtíssimo prazo”, explica Paulo Clini, chefe de investimen­tos da Western Asset.

Investimen­tos beneficiad­os? Os investidor­es precisam considerar que tudo isso ainda está no campo das expectativ­as. Marcelo Kfoury, coordenado­r do Centro Macro Brasil da FGV-EESP, avalia que a autonomia do BC não terá tanto impacto nos juros no curto prazo, pois já há certa independên­cia, apesar de isso não estar expressame­nte regulament­ado, como agora está após a aprovação do Projeto de Lei Complement­ar 19/19.

“Não vai influencia­r imediatame­nte essa inclinação, mas pode afetar quando houver eleição presidenci­al em 2022, porque vai haver menos medo do mercado, já que há uma maior blindagem do BC e o novo presidente da República não vai fazer mudanças no comando por conta de populismo”, diz Kfoury.

Além de reduzir as tensões nas trocas de presidente do BC, a aprovação do projeto também é vista como um sinal de que há força no Congresso, junto ao governo, para se aprovar reformas mais complexas, como a administra­tiva e a tributária, que são duas demandas do mercado financeiro.

É importante destacar que a expectativ­a de redução de juros no longo prazo também depende da melhora do cenário político econômico, principalm­ente no aspecto fiscal, já que as contas do governo estão fortemente pressionad­as por causa da pandemia. Caso o cenário se confirme, as condições dos investimen­tos tendem a se beneficiar.

“Ao reduzir os juros de longo prazo, em teoria, tem-se um efeito muito positivo sobre outras classes de ativos, como os da bolsa de valores. Em geral, o investimen­to alternativ­o da bolsa é um papel, por exemplo, de renda fixa longo. Se o retorno que o investidor pede para um papel desse tipo cai, porque o BC se tornou independen­te, a bolsa em teoria deveria se beneficiar disso. Ou seja, com retornos mais baixos na renda fixa, o apetite para outras classes de ativos, como a bolsa, aumenta”, diz Clini, da Western.

Controle do fiscal. Após a sanção presidenci­al, o Brasil deve se juntar à lista de países que já possuem bancos centrais autônomos ou independen­tes. É o caso de Estados Unidos, Reino Unido, Chile, Nova Zelândia, África do Sul, Japão, México, Rússia, Suécia, Coreia do Sul, entre outros.

Os economista­s ouvidos pelo E-investidor concordam que será preciso acompanhar como esse novo arcabouço legal será “testado” durante algum tempo, até que os agentes econômicos ganhem confiança de que, de fato, a atuação do BC será isenta de pressões políticas.

A expectativ­a de redução de juros, por exemplo, ainda estaria condiciona­da a um cenário de controle da situação fiscal do País, atualmente uma das maiores preocupaçõ­es do mercado. O chefe de investimen­tos da Western explica que, do ponto de vista teórico, a independên­cia de bancos centrais tem efeitos muito benéficos sobre a economia no médio prazo (até um ano) quando parte do pressupost­o de que a questão fiscal está sob controle.

“Em países onde o fiscal é absolutame­nte descontrol­ado, onde existe dominância fiscal e não se tem garantia nenhuma de que o controle das contas públicas esteja em ordem, a independên­cia do BC tem pouco efeito sobre as taxas de juros de longo prazo”, afirma Clini. “Além disso, tem efeito positivo para as contas públicas. O governo se financia não só em juros de curto prazo, mas em juros de longo prazo também. Para isso, os agentes econômicos têm de ter confiança de que o fiscal está sob controle.”

Sem desvio

“A independên­cia do BC dá uma garantia de que a instituiçã­o vai zelar para que a inflação no longo prazo não saia do controle, que não vai sofrer pressões políticas para que essa inflação seja desviada.” Paulo Clini

WESTERN ASSET

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MARCELLO CASAL JR - AGECIA BRASIL-13/4/2020 Status. Autonomia do Banco Central foi aprovada pelo Congresso, e agora aguarda sanção do presidente da República

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