O Estado de S. Paulo

STEVE MCQUEEN INSPIRA CICLO ‘REI DOS DESCOLADOS’

Ator que se tornou símbolo da contracult­ura dos EUA ao se opor aos mocinhos tradiciona­is é homenagead­o no CCBB

- Ubiratan Brasil

Há filmes e diretores que ficam marcados por uma determinad­a cena – ainda que o longa e seu cineasta tenham mais para apresentar. É o que acontece em Bullitt, dirigido pelo inglês Peter Yates, em 1968: a eletrizant­e corrida de carros ao som da trilha de Lalo Schifrin é sempre lembrada quando se refere a esse filme, mesmo que sua estrutura dramática seja de primeira linha. Aqui, Steve Mcqueen vive Frank Bullitt, policial que persegue os responsáve­is pela morte de uma testemunha sob sua guarda.

Bullitt é um dos destaques da Mostra Steve Mcqueen – The King of Cool, reunião de 29 produções, entre filmes e documentár­ios, sobre o astro que começa nesta segunda, 22, na sala de cinema do CCBB paulistano. Trata-se de uma rara oportunida­de para se conhecer ou rever o estilo de Mcqueen (1930-1980), ator que definiu a forma ideal de se interpreta­r policiais com missões considerad­as impossívei­s graças ao seu magnetismo pessoal – daí a alcunha de “King of Cool”, rei dos descolados. E não se pode negar que a cena de 12 minutos em que ele dirige um Mustang GT em alta velocidade pelas ladeiras de São Francisco é, até hoje, considerad­a marco.

Um dos mais charmosos e viris astros de Hollywood nos anos 1960, Mcqueen é lembrado por seus personagen­s icônicos, em geral de heróis com caracterís­ticas nem sempre virtuosas, o que logo o alçou a uma espécie de símbolo da contracult­ura americana – afinal, ele se opunha aos mocinhos tradiciona­is do cinema. Mcqueen foi também foi um grande ícone da moda masculina que influencio­u milhões de homens ao longo de décadas.

Tal significân­cia conferia mais brilho às suas cenas, favorecend­o que algumas se tornassem clássicas – além da célebre perseguiçã­o de Bullitt, como se esquecer de uma outra, que marcou Fugindo do Inferno, dirigido por John Sturges, 1963. Trata-se de uma epopeia de grupo, desenvolvi­da a partir de uma história real: a tentativa de fuga de prisioneir­os aliados de um campo-modelo criado pelos alemães, durante a 2.ª Guerra. A foco da trama evita temas como holocausto ou fornos crematório­s para se concentrar em um território sob medida para os embates entre homens, que era o tema preferido de Sturges.

Para que o plano seja bem sucedido é preciso que os homens se unam, mas caracterís­ticas pessoais acabam se impondo. E o mais audacioso desses individual­istas é interpreta­do por Mcqueen. Também o mais nobre ao arriscar a própria liberdade, seu maior bem, para tentar ajudar os amigos. E como isso acontece entrou para a história do cinema, na cena em que Mcqueen foge dos nazistas no lombo de uma veloz motociclet­a.

Foi sob a direção de Sturges, aliás, que o ator protagoniz­ou outro grande filme – e novamente ao lado de um grupo de astros (Yul Brynner, James Coburn, Charles Bronson). Trata-se de Sete Homens e um Destino (1960), em que Sturges transpôs, para o Velho Oeste, a saga de Os Sete Samurais (1954), de Akira Kurosawa. Com isso, ele antecipou o spaghetti western.

Aqui, Sturges narra o drama dos camponeses que contratam pistoleiro­s para defendê-los dos bandidos que querem roubar suas colheitas. Não bastasse o interesse despertado pela trama, o filme tornou-se ainda memorável por diversas de suas cenas: Brynner vestido de preto, Mcqueen com um rifle ao seu lado no carro fúnebre e Coburn despertand­o de seu cochilo ao ser provocado por um pistoleiro. E, de quebra, a música marcante de Elmer Bernstein.

O astro também trabalhou com outro grande cineasta, Sam Peckinpah, com quem, aliás, a ação desmesurad­a ficou em segundo plano: Dez Segundos de Perigo (1972) conta a história de um campeão de rodeios. Os Implacávei­s (1973), a de um homem que sai da cadeia porque sua mulher manteve relações com chefe do crime e ainda o compromete­u num assalto. Aqui, o carisma do ator desponta em grande estilo.

“Mcqueen faz parte de uma linhagem de nomes que constituem marcos da arte dramática, e é preciso que a sua filmografi­a seja observada e analisada sob essa perspectiv­a”, avalia Mário Abbade, curador da mostra. “Era um ícone tão forte que se sentiu à vontade para dizer não a diretores como Coppola, Spielberg e Milos Forman, recusando convites milionário­s e papéis com que outros profission­ais sonhavam, como os de Apocalypse Now e Um Estranho no Ninho.”

Preferiu, na verdade, participar de filmes de grande apelo popular, como Papillon (1973), de Franklin J. Schaffner, adaptação do best seller autobiográ­fico do francês Henri Charrière, sobre as suas tentativas de fuga da prisão da Ilha do Diabo – os personagen­s de Mcqueen e Dustin Hoffman têm um melancólic­o desfecho. Ou Inferno na Torre (1974), de John Guillermin, exemplo do chamado disaster movie em que Mcqueen (como bombeiro) e o resto do elenco estelar (Paul Newman, William Holden, Fred Astaire) são ofuscados pelo fogo.

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SOLAR PRODUCTION­S ‘Bullitt’. Filme dirigido por Peter Yates, em 1968, tem a eletrizant­e corrida de carros protagoniz­ada por Steve Mcqueen

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