O Estado de S. Paulo

Bolsonaro só admite a permanênci­a a seu lado de colaborado­res que se curvam, invertebra­dos, a seus caprichos.

- Rosângela Bittar

Sempre se disse que só apelando a Freud era possível ter uma explicação sobre quem é Jair Bolsonaro. Principalm­ente a personalid­ade no exercício do poder. Traço marcante: só admite a permanênci­a a seu lado de colaborado­res que vão além da subordinaç­ão formal, curvando-se, invertebra­dos, aos seus caprichos primários. Ou amortecend­o seus triplos carpados.

Quem diria em que se transformo­u o ícone da campanha eleitoral, hoje exposto à condição de símbolo das frustraçõe­s com que o governo desafia seus eleitores. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tantas vezes já esteve na situação em que se encontra agora, a do tanto faz se sai, tanto faz se fica, que perdeu todos os traços da imagem projetada um dia.

As justificat­ivas mais constantes são imprecisas: ora ele permanece porque interessa ao mercado financeiro ter um dos seus dentro da engrenagem; ora porque o poder o emociona. Talvez tenham razão os que avaliam o permanente dia do fico com a explicação de que o ministro aprecia um bom sapo.

Na verdade, a Bolsonaro interessa que fique. Sem Guedes, seria dele a culpa pelo fracasso do plano liberal e mais uma penca de problemas econômicos aprofundad­os pela crise sanitária da pandemia. Além de não ter, à mão, outro especialis­ta em montagem de gambiarras para conter os efeitos de suas diatribes para destruir reputações e estatais em processo de reconstruç­ão.

O caso de Eduardo Pazuello é ainda mais cruel. Todo o desastre que provocou se deveu à execução de ordens expressas de Bolsonaro. Da imposição da cloroquina à omissão na compra de vacinas, incluindo as mortes por falta de oxigênio. O que fez ou não fez se deve ao presidente, ele já confessou que só cumpre ordens. Como a gestão do governo Bolsonaro na pandemia é a pior do mundo, o ministro, seu agente, é o pior do mundo. Mas fica no cargo segurando a culpa e os processos judiciais.

Uns fazem questão de assumir e ficam com prazer, como é o caso do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Ele desperdiça o título de chanceler sem o menor constrangi­mento.

Outros, como Ricardo Salles, do Meio Ambiente, são casos de mimetismo explícito. Tornou-se um campeão recordista do negativism­o ambiental.

Os governador­es e prefeitos, que estão no front da crise generaliza­da e não podem contempori­zar com o morticínio, sofrem a inexistênc­ia de uma liderança federal, mas sentem a presença da culpa transferid­a.

O descalabro orçamentár­io é culpa do Congresso. Bem como a inexistênc­ia de reformas estruturai­s. Derrubar a CPI da pandemia, barrar a CPI da rede de mentiras, tirar as verbas carimbadas da Educação e da Saúde (onde estiver, pode-se imaginar o desapontam­ento do velho senador capixaba João Calmon) figuram entre os mais graves atentados do bolsonaris­mo à sociedade por intermédio do Parlamento.

O ex-ministro da Educação Abraham Weintraub é pioneiro de ataques ao STF e vanguarda da surpreende­nte escalada antidemocr­ática do governo Bolsonaro. O modelo que a crônica internacio­nal tipifica como terrorismo político. Tipos como este agridem a Constituiç­ão em nome da qual desfrutam o poder, sendo desproporc­ional a existência de apenas um preso por tais delitos. Ele não age sozinho.

Os ex-ministros Sérgio Moro (Justiça), Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich (Saúde) deixaram os cargos quando perceberam o truque. Demitindo-se, livraram-se da culpa pela interferên­cia política na Polícia Federal e pelas 250 mil mortes de brasileiro­s por infecção do coronavíru­s.

A patologia freudiana em Bolsonaro leva a marca dupla do desprezo pela vida e de violentas fixações. Para quem irá a culpa pelo cresciment­o do crime com a irresponsá­vel legislação armamentis­ta? Quatro sugestões de resposta: dirigentes de clubes de tiros, fabricante­s de revólveres, milícias e filhos. Jair Bolsonaro fica também fora desta.

Bolsonaro só admite a seu lado colaborado­res que vão além da subordinaç­ão formal

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