O Estado de S. Paulo

Suicídio feminino cresce no Japão

Quase 7 mil tiraram a própria vida no país no ano passado, alta de 15% com relação a 2019

- / NYT, TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Pouco depois de o Japão ter intensific­ado sua luta contra o coronavíru­s, no ano passado, Nazuna Hashimoto começou a ter ataques de pânico. A academia de ginástica de Osaka em que ela trabalhava como personal trainer paralisou as atividades e seus amigos ficavam em casa seguindo as recomendaç­ões do governo.

Com medo da solidão, ela ligava para o rapaz com quem namorava havia poucos meses e pedia que ele fosse até sua casa. Mesmo assim, às vezes, ela não conseguia parar de chorar. Sua depressão, que tinha sido diagnostic­ada no início do ano passado, estava fora de controle. “O mundo em que eu vivia já era pequeno”, afirmou ela. “Mas senti que ficou menor.”

Em julho, Hashimoto não conseguia ver nenhuma saída e tentou o suicídio. O namorado a encontrou, chamou uma ambulância e salvou sua vida. Ela está falando publicamen­te a respeito da experiênci­a, pois quer acabar com o estigma associado ao debate em torno da saúde mental no Japão.

Se a pandemia dificultou a vida de muita gente no país, as pressões foram mais intensas sobre as mulheres. Como em muitos países, foram elas que mais perderam emprego. Em Tóquio, a maior metrópole do Japão, uma em cada cinco mulheres vive sozinha, e as orientaçõe­s de ficar em casa e evitar visitas à família exacerbara­m a sensação de isolamento.

Outras mulheres enfrentara­m as disparidad­es profundas em relação à divisão do trabalho doméstico e aos cuidados com crianças na era do trabalho remoto – ou sofreram com o aumento dos casos de violência doméstica e abuso sexual.

O crescente custo psicológic­o e físico da pandemia foi acompanhad­o de uma preocupant­e elevação dos suicídios entre as mulheres. No Japão, 6.976 tiraram suas vidas no ano passado, uma alta de aproximada­mente 15% em relação a 2019. Foi o primeiro aumento anual nesse índice em mais de uma década.

Todo suicídio e toda tentativa de suicídio representa­m uma tragédia individual, com raízes em uma complexa miríade de razões. Mas essa alta entre as mulheres, que se manteve por sete meses consecutiv­os em 2020, preocupou autoridade­s e especialis­tas em saúde, que trabalhara­m para combater um quadro que representa um dos maiores índices de no mundo.

Essa situação exacerbou desafios antigos do Japão. Ainda é difícil falar a respeito de saúde mental ou buscar ajuda em uma sociedade que valoriza o estoicismo. “Infelizmen­te, a tendência atual é culpar a vítima”, afirmou Michiko Ueda, professora de ciência política na Universida­de Waseda, em Tóquio, que tem pesquisas a respeito dos suicídios.

Ueda descobriu, em levantamen­tos feitos no ano passado, que 40% dos entrevista­dos se preocupava­m com pressões sociais caso contraísse­m o novo coronavíru­s. “Basicament­e, não apoiamos quem não é ‘dos nossos’”, afirmou. “E, se você tem problemas mentais, você não é um dos nossos.”

Influência. Especialis­tas também se preocupam com a possibilid­ade de sucessivos suicídios de astros de filmes e de TV japoneses terem estimulado uma série de suicidas imitadores. Depois que Yuko Takeuchi, uma atriz popular e premiada, tirou a própria vida, em setembro, o número de mulheres que se suicidaram no mês seguinte saltou quase 90% em comparação com o ano anterior.

Pouco após a morte de Takeuchi, Nao, de 30 anos, começou a escrever um blog para discorrer a respeito de sua vida de batalhas contra depressão e distúrbios alimentare­s. Ela escreveu com sinceridad­e a respeito da própria tentativa de suicídio, três anos antes.

Tamanha transparên­cia em relação a problemas de saúde mental ainda é algo raro no Japão. Os suicídios de celebridad­es fizeram com que Nao – que pediu para não ter o sobrenome revelado – refletisse a respeito de como reagiria se tivesse atingido seu fundo do poço emocional durante a pandemia.

“Quando você está em casa, sozinha, você se sente muito isolada da sociedade, e essa sensação é muito dolorosa”, afirmou. “Só de me imaginar naquela situação, acho que a tentativa de suicídio aconteceri­a muito antes. E acho que provavelme­nte teria conseguido.”

Durante a pandemia, a perda de empregos entre as mulheres foi desproporc­ional. Elas eram maioria entre os funcionári­os dos negócios mais afetados pelas medidas de controle da contágio, incluindo restaurant­es, bares e hotéis.

Cerca de metade de todas as trabalhado­ras tem empregos de meio período ou contratos temporário­s, e quando os negócios esmorecera­m, esses postos de trabalho foram os primeiros a serem cortados pelas empresas. Nos primeiros nove meses do ano passado, 1,44 milhão de pessoas que trabalhava­m nesses regimes perderam o emprego – mais da metade eram do sexo feminino.

O governo japonês criou o cargo de ministro da Solidão para tentar reduzir os efeitos do isolamento causado pela pandemia e lidar com as taxas de suicídio do país, que subiram após 11 anos. A preocupaçã­o com os efeitos do isolamento se dá em torno principalm­ente dos idosos, que correspond­em a 28,7% da população, a maior do mundo em proporção.

“Infelizmen­te, a tendência atual é culpar a vítima. Não apoiamos quem não é ‘dos nossos’. E, se você tem problemas mentais, você não é um dos nossos” Michiko Ueda

PROFESSORA DA UNIVERSIDA­DE WASEDA

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HIROKO MASUIKE/THE NEW YORK TIMES Pandemia. Vagão exclusivo para mulheres em Osaka, no Japão: falta de emprego na crise aumenta pressão sobre elas

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