O Estado de S. Paulo

A tragédia oculta

Coronavíru­s avança por médias e pequenas cidades e leva sistemas de saúde ao colapso.

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Médicos de pequenas e médias cidades do País estão tendo de tomar uma das mais dramáticas decisões no exercício da profissão: escolher quem receberá socorro nos hospitais e quem não será atendido. O aumento descontrol­ado dos casos de covid-19 tem levado ao colapso o sistema de saúde desses municípios. Em muitos casos, os profission­ais de saúde, na verdade, devem decidir quem vive e quem morre.

Não se chega a um estado de calamidade como esse sem uma inacreditá­vel sucessão de erros. A situação do Brasil é a pior possível. Contribuír­am para este resultado o descaso e a incompetên­cia do presidente Jair Bolsonaro e de seu ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, a disseminaç­ão descontrol­ada de uma nova cepa do coronavíru­s identifica­da em Manaus, a variante P.1, potencialm­ente mais contagiosa, e o comportame­nto descuidado de muitos cidadãos que, seguindo o mau exemplo do presidente Bolsonaro, insistem em menospreza­r as medidas de proteção preconizad­as pelas autoridade­s sanitárias.

O aumento expressivo dos casos que necessitam de internação tem provocado filas de espera por vagas de UTI nos pequenos e médios municípios do interior e uma “corrida” das equipes médicas para dar alta aos pacientes muito graves, não porque estes se recuperam, mas para liberar seus leitos para que pacientes gravíssimo­s sejam atendidos.

A situação desesperad­ora foi relatada ao Estado por médicos, secretário­s municipais de Saúde, pacientes e familiares. Em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, pacientes de covid-19 ocupam 95% dos leitos de UTI da cidade. Em Monte Carmelo, também em Minas Gerais, há mais de um mês todos os 16 leitos de UTI da cidade são ocupados por pacientes com o novo coronavíru­s. O prefeito Paulo Rocha (PSD) chegou a publicar vídeos nas redes sociais pedindo doação de cilindros de oxigênio para o Hospital Alberto Nogueira, o único a tratar da covid-19.

Em Maringá, no Paraná, a ocupação dos leitos de UTI do Hospital Universitá­rio, referência na região, está em 100% há semanas seguidas. “Antes da pandemia, tínhamos 8 leitos de UTI. Abrimos 20 novos leitos. Para um hospital do nosso porte, o aumento é absurdo. A linha entre a superlotaç­ão e o colapso é muito tênue”, disse Edvaldo Vieira de Campos, coordenado­r da UTI da unidade.

Cidades do interior de São Paulo, o Estado mais rico da Federação e, portanto, o mais capacitado para dar combate à pandemia, também vivem a agonia da falta de leitos. Na segunda-feira passada, o Estado atingiu o pico de internaçõe­s desde o início da pandemia. Em Araraquara, que há dias consecutiv­os registra novos casos da variante P.1, as UTIS estão lotadas. A prefeitura decretou lockdown. Em Jaú, onde a variante brasileira também já circula sem controle, a capacidade de atendiment­o está bem aquém da demanda.

Esses são apenas alguns poucos exemplos que vieram a público. O Brasil tem 5.570 municípios. Não é improvável que, sem receber a mesma atenção dada às grandes cidades do País, muitos pequenos e médios municípios estejam vivendo uma tragédia oculta.

O Ministério da Saúde tem o dever de mapear a situação dos sistemas de saúde em todo o País e coordenar os esforços para que cada um deles esteja apto a prestar atendiment­o a todos os que a eles acorram. Deve providenci­ar leitos onde eles estão faltando. Garantir o suprimento de oxigênio para que não se repita o horror dos manauaras. Comprar insumos e medicament­os para que não faltem nos hospitais e postos de saúde. E, sem mais delongas, trabalhar para trazer ao Brasil vacinas em quantidade necessária para imunizar toda a população. A solução para o flagelo da covid-19 é a vacina.

Países que foram previdente­s no planejamen­to da vacinação de seus cidadãos já observam queda no número de casos graves, internaçõe­s e mortes, além de experiment­ar o início de uma recuperaçã­o da atividade econômica. Já os brasileiro­s têm de lidar com a angústia de não só não saber quando serão vacinados, como também não ter a certeza de que encontrarã­o uma vaga em hospital caso necessitem – situação especialme­nte grave em cidades que mal têm estrutura de atendiment­o e que padecem longe dos holofotes.

Vírus avança por pequenas e médias cidades e leva sistemas de saúde ao colapso

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