O Estado de S. Paulo

CAMINHO MAIS CURTO PARA LIVRO

Mercado de autopublic­ação cresce, enquanto o editorial encolhe.

- Nathalia Molina

Era uma vez um tempo em que, para publicar um livro, o autor tinha de enviar um exemplar impresso e passar no crivo de uma editora. Hoje, no reino das possibilid­ades digitais, um aspirante a escritor até pode contar com o serviço de profission­ais do meio editorial, ou fazer tudo por conta própria, com a ajuda de um corretor de estilo. Pode também decidir que quer ser ouvido no formato de audiolivro. Assim, abremse oportunida­des para empreended­ores e negócios variados, que crescem enquanto o mercado editorial brasileiro encolheu 20% em 14 anos.

“A gente vê o livro como um tripé: editorial, divulgação e distribuiç­ão”, conta Daniel Pinsky, fundador da Labrador, editora de autopublic­ação criada em 2016. “O controle do processo é total. Todas as editoras usam profission­ais terceiriza­dos, mas tudo o que volta é sempre lido pela gente. Diagramaçã­o e capa são feitas aqui dentro.”

Dos 170 títulos já publicados pela editora, 56 saíram no ano passado. Em 2019, o livro 101 Dias com Ações Mais Sustentáve­is para Mudar o Mundo, de Marcus Nakagawa, ganhou o Prêmio Jabuti na categoria economia criativa. “Eu não sou a editora mais barata do mercado. Ofereço serviços de nível premium. O cara tem de investir mais. Recebo muito original bom.” O custo do autor é definido caso a caso.

Ele explica que a equipe faz intervençõ­es no texto e propõe mudanças de estilo, mas sem análise do conteúdo, como ocorre em uma editora tradiciona­l como a Contexto, criada em 1987 por seu pai, Jaime Pinsky.

“Esse trabalho não cabe para uma editora de autopublic­ação. A gente não faz leitura crítica. Indica alguém de fora que não tem nada a ver com a gente. Não acho ético. Ganho dinheiro publicando, não posso ser o juiz”, afirma o fundador da Labrador, que já publicou os mais diversos temas. “A gente só rejeita apologia a crimes, pedofilia, nazismo.”

A distribuiç­ão, segundo Pinsky, é a mais próxima possível de uma editora comercial. “Ela chega aos pontos físicos, e no online a gente faz uma distribuiç­ão especialme­nte boa. Além de todas as lojas, estamos na BV (biblioteca virtual) da Pearson. Na Itália, vários dos nossos livros podem ser impressos no sistema on-demand.”

A equipe busca novidades para melhorar o processo constantem­ente, de acordo com ele. “A gente é muito indicado pelo mercado. Eles sabem que a gente não vai enganar o autor”, diz. “Muitas editoras são caçaníquei­s sim, estão preocupada­s com o bolso delas.”

A Labrador tem controle de todo o processo de produção do livro, o que também ocorre na Edite, do Rio de Janeiro. O núcleo de projetos elabora o cronograma, e o escritor aprova revisões, diagramaçã­o e capa. “Nosso objetivo é que o autor tenha um bom livro no fim da linha. A equipe tem um envolvimen­to editorial, para entender a mensagem e ajudar a lapidar aquilo”, diz Silvia Rebello, fundadora e diretora da BR75, que desde 2017 mantém o selo Edite para autores independen­tes.

Formatos. Produtora editorial especializ­ada em planejamen­to e gestão para empresas, a BR75 trabalha com conteúdo em qualquer formato – por exemplo, livro, gibi e revista. Com clientes pelo Brasil e parceria com uma gráfica em São Paulo, o negócio existe há dez anos. A Edite tem em torno de dez títulos de escritores, e a BR75 participou de centenas de projetos. “Escolas também são nossos clientes, para a publicação de conteúdo gerado ali”, conta. “Uma empresa pode fazer 30 exemplares de um livro para dar para consumidor­es ou um brinde que conte a história da companhia em 2020, por exemplo.”

O tempo de produção pode levar de dois meses a um ano, dependendo da extensão da empreitada. “Em um livro pequeno, de poesias ou crônicas, as intervençõ­es são menores. Enquanto ocorre a revisão, a equipe de design já está montando o miolo. Mas tudo depende muito do estado bruto do conteúdo.”

Silvia explica que o preço é analisado, caso a caso, tanto para autores independen­tes quanto em publicaçõe­s para negócios. “A gente tem um foco grande na redução de custo e desperdíci­o. Sempre tenta desenhar algo viável para o cliente”, afirma.

A impressão é uma das partes significat­ivas do custo. Quando Ricardo Almeida fundou o Clube dos Autores em 2009, com Indio Brasileiro Guerra Neto e Anderson de Andrade, conta que sofreu pela falta de opções, o que tornava o livro muito caro para o escritor independen­te.

“Fomos pioneiros nesse serviço, mas não falo como autoelogio. Sofremos muito por isso. Uma impressão sob demanda para gráfica era de 100 em 100. A gente precisava convencê-las para ter valores acessíveis”, conta o CEO da plataforma de autopublic­ação.

“Hoje a gente acaba tendo altíssima escala, com dezenas de milhares, porque o clube tem um número grande de autores. Mas 11 anos atrás a realidade não era essa. O preço do livro era quase o dobro.”

Sem considerar o valor que o escritor pode acrescenta­r por direitos autorais, Almeida conta que uma publicação de 150 páginas (tamanho médio no Clube dos Autores) sai por R$ 31 a unidade, para impressão no formato A5 com orelha, em gramatura 75 no miolo e papel cartão na capa. Segundo Almeida, em uma tiragem de 500 exemplares, o valor unitário despenca para R$ 11.

A plataforma, que encerrou o primeiro ano de atividade com cerca de 200 autores, atualmente conta com 72 mil títulos. “Hoje a gente tem alguma coisa na casa de 1 mil novos livros por mês.” Fechou 2020 com R$ 8,5 milhões de faturament­o, um aumento de 40% em relação ao ano anterior. “Em janeiro, o ritmo de cresciment­o foi 40% a mais que em dezembro. Por mais que seja difícil, na era de incertezas que a gente vive hoje, temos a expectativ­a de crescer de 50% a 70% em 2021.”

Para publicar em PDF, o escritor não paga nada. “A nossa receita vem da venda dos livros”, explica Almeida. Se comprar os serviços disponívei­s na plataforma, o autor pode pagar entre R$ 1,5 mil e R$ 7 mil.

“(A análise de conteúdo) não cabe para uma editora de autopublic­ação. A gente não faz leitura crítica, indica alguém de fora. Ganho dinheiro publicando, não posso ser juiz.”

Daniel Pinsky FUNDADOR DA LABRADOR

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WERTHER SANTANA / ESTADÃO
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WERTHER SANTANA/ESTADÃO-3/2/2021 Dificuldad­es. Ricardo Almeida diz que impressão é uma das partes mais significat­ivas do custo; e isso era ainda maior em 2009, quando criou a empresa

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