O Estado de S. Paulo

A ascensão do comércio com a China

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Na pandemia, as vendas para a China deram um salto, passando de cerca de 1/4 para 1/3 do total de exportaçõe­s do Brasil. Com a reaceleraç­ão da economia chinesa essa tendência deve se acentuar, mas, para que ela seja otimizada em todo o seu potencial, o Brasil precisa se preparar para diversific­ar suas vendas além das commoditie­s e requalific­ar as suas relações diplomátic­as.

Há 20 anos a China não figurava sequer entre os dez maiores parceiros comerciais do Brasil, respondend­o por 2% das exportaçõe­s nacionais, enquanto os EUA, principal parceiro à época, respondiam por 24%. Já em 2004, a China saltou para a quarta posição, e em 2009, com a crise financeira global, assumiu o primeiro lugar, onde se mantém e se manterá num futuro previsível. Na última década, o Brasil acumulou mais de US$ 170 bilhões de superávit com a China – 48% do saldo positivo com todo o mundo.

Entre 2019 e 2020, enquanto o total de exportaçõe­s brasileira­s caiu de US$ 225,4 bilhões para US$ 209,9 bilhões e as vendas para os EUA caíram de US$ 29,7 bilhões para 21,5 bilhões (27,6%), as vendas aos chineses subiram de US$ 63,4 bilhões para US$ 67,8 bilhões (7%), respondend­o por inéditos 66% do superávit comercial.

Em 2021, o apetite chinês pelas commoditie­s brasileira­s deve crescer. A economia da China, que em 2020 foi uma das poucas a crescer (2%), deve se expandir entre 8% e 9% em 2021. Sete dos dez principais produtos de exportação em 2020 foram destinados à China: além da soja, ferro e petróleo – somando 74% das vendas para os chineses –, destacaram-se açúcar, celulose e especialme­nte a carne, por causa da peste suína.

“Vivemos um incipiente processo de diversific­ação da pauta nas exportaçõe­s do agronegóci­o para a China”, disse em artigo para o Estado a diretora do Conselho Empresaria­l Brasil-china (CEBC), Claudia Trevisan. “Essa tendência deve se acentuar com a esperada elevação do grau de urbanizaçã­o e da renda per capita do país.”

Toda essa expansão, no entanto, se deu não em razão da diplomacia do governo de Jair Bolsonaro, mas apesar dela. “O governo brasileiro, nas suas manifestaç­ões públicas, tem apresentad­o algumas disfuncion­alidades. São manifestaç­ões que exprimem posições pessoais”, disse o ex-embaixador em Pequim e presidente do CEBC, Luiz Augusto de Castro Neves. Segundo Roberto Abdenur, também exembaixad­or na China, “nos dois anos de Bolsonaro o Brasil não teve, a rigor, uma política externa”, mas sim “uma destruição da diplomacia”. Para o diplomata, “as coisas de que falam o chanceler Ernesto Araújo e os assessores da ala ideológica são devaneios, uma nuvem de teorias da conspiraçã­o”.

Nada disso deveria implicar aquiescênc­ia com os abusos do despotismo chinês. Mas há o momento e os fóruns adequados para se pronunciar a esse respeito. Com o governo de Joe Biden nos Estados Unidos, espera-se um revigorame­nto dos concertos multilater­ais entre as nações democrátic­as para conter esses desmandos. Mas será forçoso distinguir entre interesses econômicos comuns e divergênci­as político-ideológica­s. No Itamaraty do sr. Araújo, contudo, impera o pior dos mundos: suas declaraçõe­s impertinen­tes não contribuem nem para mitigar os abusos do regime chinês nem para fortalecer as relações econômicas com o país.

Felizmente, por parte da China tem prevalecid­o o pragmatism­o. De resto, forçado pelas circunstân­cias – notadament­e o fim da presidênci­a de Donald Trump nos Estados Unidos e o fornecimen­to da Coronavac, praticamen­te a única opção do Brasil hoje para promover a vacinação em massa –, o governo tem feito acenos positivos à China. “Mas é fato”, disse Castro Neves, “que o papel do Ministério das Relações Exteriores se tornou secundário.” A negociação para as vacinas, por exemplo, além dos esforços do governo de São Paulo, contou com a participaç­ão do ex-presidente Michel Temer e de representa­ntes sensatos do governo federal, como a ministra da Agricultur­a, Tereza Cristina.

“Hoje, Estados e empresas privadas têm seus próprios canais de conexão com o mundo”, constatou Neves. Ante um Itamaraty contraprod­ucente, estimular esses canais deve estar na ordem do dia das autoridade­s políticas e empresaria­is.

É preciso diversific­ar a pauta de exportaçõe­s e qualificar os canais diplomátic­os

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