A prisão de Daniel Silveira foi correta?
Ives Gandra da Silva Martins* Não
Ninguém discute a impropriedade dos ataques verbais do deputado encarcerado, cuja grosse- ria e falta de fundamentos feriram gravemente o decoro parlamentar. Também não se discute a idoneidade ou a competência jurídica dos mi- nistros da Suprema Corte. O que se discute é o equívoco da decisão. O artigo 53 é de uma clare- za solar: “deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por qualquer de suas opiniões, palavras e votos”.
O STF criou uma inviolabilidade inexistente na Lei Suprema, ao declarar que “quaisquer” é sinônimo de “alguns”, de tal maneira que são invio- láveis em relação a algumas opiniões e palavras, mas não em relação a outras, se o destino de suas palavras for a crítica aos 11 integrantes do Pretó- rio Excelso. Por outro lado, o § 2.° do referido dis- positivo, que proíbe prisão, desde a expedição de diploma “salvo em flagrante de crime inafiançável”, teve o acréscimo de que o flagrante torna-se perpétuo, se focado em vídeo, além de que a opi- nião torna-se “crime inafiançável” por força da Lei de Segurança Nacional, que, neste caso, pas- sou a sobrepor-se à própria Carta da República!
A partir de agora, qualquer um dos 18 mil ma- gistrados do Brasil, se atacado por alguém que não goze de imunidade parlamentar, poderá in- vocar o precedente, alegando que o ataque não é contra ele, mas contra a instituição, e considerar o ataque verbal crime inafiançável. À evidên- cia, o deputado encarcerado deve ser punido por falta de decoro parlamentar, mas o foro é outro, ou seja, a própria Câmara dos Deputados.
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PRESIDENTE DO CONSELHO SUPERIOR DE DIREITO DA FECOMERCIO-SP. PROFESSOR EMÉRITO DO MACKENZIE E DAS ESCOLAS DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO (ECEME) E SUPERIOR DE GUERRA (ESG)
Carlos Ari Sundfeld* Sim
Juristas divergem ao interpretar normas legais. Em especial do Código Penal, sobre crimes con- tra a honra, e da Lei de Segurança Nacional, so- bre crimes políticos. Uma da ditadura Vargas, outra da militar.
Normas penais são armas: necessárias, mas perigosas. Podem proteger e matar.
Normas podem pôr em risco liberdades constitucionais. Mas é bom lembrar: juízes, quando mandam prender, só estão exercendo a difícil função que o Direito lhes deu.
Não é justo criticar o Supremo Tribunal Fede- ral a partir de uma caricatura da decisão no ca- so Daniel Silveira. O caso é grave, sim. E, como a invasão do Capitólio mostrou, instituições têm de agir em tempo. O STF não é autoritário: entre os tribunais, é o defensor mais constante e firme da liberdade de expressão, entre outras.
O Supremo não prendeu o deputado por ser mal-educado, mentiroso, grotesco. Prendeu pelos elementos de prova de que, há anos, ele atuaria para destruir a democracia, incitando a violência.
Entre as provas, a de divulgar vídeos seguidos para imputar crimes falsos, sobretudo contra juízes. O objetivo: incitar populares e agentes públicos a, com violência, destruir o Judiciário e perseguir seus membros.
Para isso, o deputado usa recursos públicos. E age em aliança com um grupo, que tem vonta- de e meios de destruir a democracia.
Por isso, na visão do STF, ele não é um boquir- roto qualquer. É um homem-bomba, a ser conti- do com armas jurídicas. Armas perigosas, é ver- dade. Mas nas mãos de juízes. No mundo todo, gostemos ou não deles, isso faz diferença.
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PROFESSOR TITULAR DA FGV DIREITO SP
Alberto Zacharias Toron* Não
A recente prisão do deputado Daniel Silveira pe- las graves ofensas que proferiu contra os minis- tros do STF, numa inqualificável demonstração de desprezo pelas instituições democráticas, de- ve merecer o mais vivo repúdio. Aliás, a Câmara Federal o fez, mantendo-o na cadeia. O ponto é que essa prisão merece maior reflexão.
O deputado estava em flagrante? A resposta é negativa! Ter feito e postado um vídeo, ainda que seja visto repetidamente por quem o dese- je, não pode ser entendido como flagrante de uma atividade ocorrida no passado. Quando o deputado proferiu o discurso de ódio e desrespeito à ordem democrática, gravou e postou o vídeo, estava em flagrante. Depois, não! Enten- dimento contrário implicaria poder prendê-lo um ano após “em flagrante”. Um contrassenso.
Mas há um outro complicador: deputado não pode ser preso preventivamente. É uma garan- tia expressa pelo art. 53, §2.º, da Constituição Federal, que chamamos de imunidade parla- mentar. Todavia, na sistemática em vigor do Código de Processo Penal, o flagrante deve ser convertido em preventiva, coisa que não é possível neste caso por conta da imunidade. O cami- nho, portanto, seria a soltura, mas a Câmara, co- mo dito, validou a prisão imposta unanimemen- te pelo STF. Há um imbróglio que torna difícil sustentar a legalidade da prisão, sobretudo se considerarmos que a Procuradoria-geral da Re- pública solicitou a adoção de medidas alternati- vas à prisão e que o Judiciário, conforme deci- são do próprio STF, não pode impor a prisão de ofício, isto é, sem pedido do MPF.
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ADVOGADO, DOUTOR EM DIREITO PENAL PELA USP, PROFESSOR DE PROCESSO PENAL DA FAAP E VICEPRESIDENTE DO INSTITUTO BRASILEIRO CRIMINAL
Thiago Garcia* Sim
No dia 16 de fevereiro de 2021, o ministro Alexandre de Moraes mandou prender o deputado federal Daniel Silveira, em virtude da suposta prática de crimes previstos na Lei de Segurança Nacional. Essa decisão produziu debates calorosos a favor e contra o encarceramento do parlamentar.
Um dos pontos mais discutidos diz respeito ao tal “mandado de prisão em flagrante” expedido pelo ministro. Muitas vozes criticaram o referido instrumento. Com o devido respeito, não concordo com essa crítica.
A prisão em flagrante tem previsão constitucional (art. 5.º, inc. LXI) e é regulamentada pelo Código de Processo Penal.
De fato, nesse diploma, inexiste previsão de mandado para a prisão em flagrante. Porém, o Supremo Tribunal Federal, no inquérito 2411, decidiu que o foro privilegiado também abrange a fase investigativa, de modo que o delegado de polícia não pode instaurar inquérito policial por conta própria contra parlamentar federal, sendo necessária prévia autorização do STF.
Com isso, foi afastada a regra geral que permite que a autoridade policial instaure investigação de ofício nos casos de crimes de ação penal pública incondicionada (art. 5.º, inc. I, do CPP).
Acontece que, na prisão em flagrante, o inquérito é aberto automaticamente (art. 304, § 1.º, do CPP). Sendo assim, se esse tipo de prisão gera inquérito, não podendo ele ser aberto sem anterior determinação da Suprema Corte, fica evidente que o “mandado de prisão em flagrante” está em conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
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DELEGADO DE POLÍCIA, PROFESSOR DE DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL